Inaugurada em dezembro de 2018, a Praça do Skate Jardim Iguatemi, na zona leste de São Paulo, se tornou o principal ponto de encontro dos skatistas da região. Mas não foi fácil conquistar o espaço.
Antes da construção, um abaixo-assinado contra a pista chegou a ser feito, alegando que ali viraria um ponto de drogas. “A ideia era fazer um posto policial aqui ou um heliponto. Inventaram um monte de coisa, mas a gente não arredou o pé”, relembra Bruno Ulian, 35, morador do Iguatemi e que anda de skate desde a adolescência.
No entanto, eles conseguiram driblar o preconceito e convencer da importância de ter uma área do tipo no bairro. Hoje, a pista reúne pessoas de diversas idades, desde crianças e adolescentes, até aqueles que tiveram que pavimentar o caminho para a nova geração.
Bruno Ulian esteve na linha de frente do projeto @Matheus Santino/Agência Mural
Perda para o futebol
A conquista da pista retomou um espaço para o esporte no bairro. Nascido e criado no Iguatemi, Bruno Cardoso, 41. anda de skate desde os 14 anos. Ele lembra que os skatistas se concentravam em um local onde hoje fica o Piscinão Limoeiro e um campo de futebol de várzea.
“Ali foi um exemplo de como o skatista precisa estar ligado à questão política do espaço, da sua existência e tudo mais. Nós perdemos a pista para o grupo do futebol. Nos prometeram outra, não deram e ninguém correu atrás”, lembra.
Vista da Praça do Skate Jardim Iguatemi @Matheus Santino/Agência Mural
Foram cerca de 15 anos sem um espaço apropriado na região, que só se tornou realidade depois de muita luta. Um dos fundadores do grupo Frente dos Skatistas e Amigos do Iguatemi e Região, Cardoso fez todo o projeto de arquitetura da pista voluntariamente.
Uilian também esteve na linha de frente do projeto. O skatista conta que a ideia da pista surgiu há mais de 12 anos e demorou para sair do papel.
“O assessor de um vereador [Gilson Barreto] passou na minha rua e eu falei: “é você que vai ajudar a gente”, e comecei a encher o saco dele. Ele falou que ia ajudar, porém, o vereador tinha que se reeleger primeiro. Assim que ele assumiu, já começou a fazer”, lembra Ulian. O legislador fez uma emenda ao orçamento para destinar recursos ao projeto.
Pista do Iguatemi já formou skatistas profissionais @Matheus Santino/ Agência Mural
No final do ano, a pista completará 7 anos. Ulian lamenta que tenha demorado tanto.
‘Quando a gente tinha idade para estar mais aqui, não tinha nada, por muitos anos a gente ficou sem. Chegou agora, mas as responsas estão aí’
Falta de apoio e o primeiro campeonato
A pista está localizada ao lado da Escola Estadual Jardim Iguatemi. O grupo teve o trabalho de convencer a comunidade de que a pista não ficaria abandonada e que seria algo bom para o bairro, mas o preconceito falava mais alto.
“O skate ainda não estava nas Olimpíadas naquela época, não ganhava a repercussão que ganha hoje. Mesmo assim, você ainda vê muito espaço de skate sendo combatido. Foi uma luta”, comenta Cardoso.
Bruno Cardoso projetou a pista do Iguatemi voluntariamente @Matheus Santino/ Agência Mural
Houve reuniões entre os skatistas, moradores e diretoria da escola na Subprefeitura de São Mateus para tratar do assunto. A Frente apresentou o projeto e os documentos e recusaram as propostas de fazer a pista em outro terreno, mostrando a importância que o local teria para o bairro.
Com a documentação, os skatistas convenceram a diretora da escola que ficou do lado deles no final.
O grupo organizou dois campeonatos na pista. O primeiro, em 2018, marcou a inauguração. Parcerias com grandes marcas e com comércios locais, barracas de comida, brinquedos e a presença de expoentes do skate na época fizeram deste um dos maiores eventos da modalidade na região.
“Chegaram a aparecer aqui a Raicca Ventura, que hoje é da seleção brasileira, Victoria Bassi, Wallace Gabriel, Ismael Henrique, todos andaram aqui quando eram amadores ainda. Esse campeonato foi marcante para a gente, lembramos dele até hoje”, diz Cardoso.
Primeiro campeonato de Skate @Bruno Cardoso/Arquivo pessoal
Segundo campeonato organizado na pista @Bruno Cardoso/Arquivo pessoal
Organizadores do evento @Bruno Cardoso/Arquivo pessoal
O público que participou do evento @Bruno Cardoso/Arquivo pessoal
Apesar do sucesso, eles comentam que não conseguem mais fazer campeonatos, pelo trabalho para organizar e pela falta de apoio. “A gente fica com saudade, mas só para conseguir reformar e pintar a pista já é um parto”, reclama Ulian.
Pista sem manutenção
Os skatistas sempre fizeram um trabalho de manutenção e pintura na pista de forma voluntária, com parceria de lojas e fábricas de tintas que fornecem o material em troca de propaganda. Desde a inauguração em 2018, o grupo já pintou a pista 7 vezes, trazendo artistas do grafite para colaborar com a parte estética das rampas.
Eles dizem que a comunicação com a Subprefeitura de São Mateus, responsável pelo espaço público, tem sido complicada e a praça sofre com mato alto e falta de zeladoria.
“Já estava tudo no itinerário, aí mudou o subprefeito e parece que parou tudo, a gente tem que refazer o pedido e começar de novo, não sei por quê. Eles passaram no canteiro da avenida e para cá não vieram”, denúncia Ulian.
O skatista diz que, ao tentar contato com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e com a Secretaria do Esporte e Lazer, foi orientado a ligar no 156 da Prefeitura.
Entorno da pista sofre com falta de zeladoria @Matheus Santino/ Agência Mural
A Frente produziu um portfólio para registrar todas as ações que fizeram no espaço. Em janeiro deste ano, Cardoso postou no Instagram fotos e vídeos de rachaduras na pista. “A última reforma na parte nova foi uma luta. Foram 19 tentativas, de vir e fazer o trabalho de novo. Por isso que a gente fez a reclamação no Instagram, porque era muita incopetencia”, diz.
O skatista usa as redes sociais para estimular mais pessoas a conhecer o espaço. Os dois também tentam incentivar a nova geração a cuidar da pista, algo que dizem ser difícil.
“A gente divulga o dia de pintura e eles[skatistas mais jovens] querem saber a data para não vir. Eles não entendem a importância que isso tem para o bairro.”, diz Cardoso.
Questionada pela reportagem sobre a falta de manutenção na pista de skate, a SMSUB (Secretaria Municipal das Subprefeituras), por meio da Subprefeitura São Mateus, informou que foi realizado o corte de mato e a limpeza da praça no último dia 7 de julho e que os serviços de varrição são executados duas vezes por semana no entorno.
Em nota, a Secretaria informou que “em relação ao parcão e ao gira-gira, será realizada vistoria para verificar a situação dos equipamentos e adotar as providências cabíveis”.
Legado
Um dos jovens que encontrou uma nova perspectiva na pista do Iguatemi é o skatista Kevin Silva, 20. Cria do espaço, ele anda de skate desde os 13 anos e sonha em se tornar profissional. “Sempre andei por amor e fui ter mais noção de que tinha como ganhar algo com isso conforme o tempo foi me mostrando. Hoje em dia eu tô nesse foco de virar profissional. Se Deus quiser, daqui uns anos, isso vai se realizar”, diz.
O jovem era morador do Iguatemi e fez as primeiras manobras na pista do bairro, que ele chama de “quintal de casa”. Para criar mais conexões com a cultura, ele acabou indo mais para o centro, já realizou viagens e corre campeonatos em diversos lugares da cidade, acumulando alguns troféus.
Kevin Silva sonha em se tornar profissional @Matheus Santino/Agência Mural
Apesar da desconfiança familiar no começo, Kevin conseguiu sua independência financeira graças ao skate.
“Hoje eu entendo minha mãe. Ela queria que eu fizesse faculdade e não via futuro só andando de skate. Eu tive muita paciência para lidar com isso e hoje ela vê a evolução, tanto ela quanto o meu pai e hoje em dia eles me apoiam muito”, conta.
Kevin agora mora no Jardim Santo André, em São Mateus, mas sempre faz questão de voltar ao lugar que serviu de base para seus aprendizados e destaca a pista como uma das mais completas da região.
Kevin fazendo manobras com o skate @Matheus Santino/Agência Mural
Para além da independência financeira e o sonho de ser profissional, o skatista diz que a pista trouxe lições de vida. “Tudo que eu sei eu aprendi aqui. Todo o conhecimento, a humildade, o respeito que eu tenho eu aprendi aqui. Aqui você consegue adquirir muitas coisas, não só a manobra”, completa.

