“Não tenho problema em envelhecer e não tenho medo de morrer. Eu já cumpri a minha missão e ó, tchau”, essa frase foi dita por Elizabete Barbosa, mais conhecida como Dona Bete, guardiã da ELT (Escola Livre de Teatro), localizada no bairro Santa Teresinha, em Santo André, na Grande São Paulo.
Dona Bete faleceu na última terça-feira (18), vítima de um câncer no pulmão, e a missão que cumpriu foi garantir a resistência da ELT durante mais de três décadas, mesmo com as diversas trocas de prefeitos que ocorreram no município.
“Dona Bete é alguém que devemos descrever no presente, sempre. Dizem que uma pessoa só morre quando falam seu nome pela última vez, de modo que Bete estará sempre viva”, conta o produtor cultural Fernando Paulino Gimenes, 40.
Nascida em 15 de julho de 1952 em Iguaracy, Pernambuco, ela tinha oito irmãos e chegou ao bairro de Utinga, em Santo André, no ano de 1970, quando buscava por oportunidades de trabalho.
A guardiã dedicou anos à ELT, onde começou como faxineira, fez faculdade de arte, virou artesã, mascareira, e depois tornou-se encarregada da escola e do Teatro Conchita de Moraes.
A ELT foi fundada em 1990 e é uma escola pública de formação de atrizes e atores gerenciada pela Secretaria Municipal de Cultura de Santo André com o corpo docente representado pela Cooperativa Paulista de Teatro.
O espaço é conhecido por ser um centro de formação, pesquisa e experimentação de linguagens teatrais. E se depender dos filhos e dos alunos do teatro e da escola, Dona Bete, a guardiã, nunca será esquecida.
Um dos espaços que garantem essa preservação é o “Museu Orgânico Dona Bete”, coordenado por Fernando.
O museu foi um acervo vivo e orgânico, onde as pessoas puderam interagir com a guardiã, dialogar sobre a história, a arte e as manifestações culturais da artista. “O projeto consistiu, primeiramente, numa pesquisa para a criação de um documento poético de memórias e que, posteriormente, serviu como base de criação para a realização do espaço físico do museu”, conta Fernando.
As memórias escolhidas ficaram expostas na sala de trabalho de Bete, na ELT, e abertas à visitação até a aposentadoria dela.
A mascareira, que dedicou cerca de 30 anos ao trabalho na ELT e no Teatro Conchita, foi a única pessoa que permaneceu na Escola Livre de Teatro durante 32 anos ininterruptos. “A primeira a chegar e a última a sair. Dona Bete foi a forma humanizada do projeto”, relembra o produtor e amigo dela.
O título de guardiã vai além dos anos dedicados à Escola. Antonio Correa Neto, 56, ator, e aluno da primeira turma do ELT, conta que na gestão do prefeito Newton Brandão, de janeiro de 1993 a dezembro de 1996, a ordem era acabar com todos os projetos realizados pelo ex-prefeito, Celso Daniel (PT), e o ELT era um deles.
A escola foi fechada. Livros raros, figurinos e todo o acervo seria perdido se não fosse os cuidados de Bete. “Na época ela era apenas uma faxineira, mas tomou conta de tudo, pois sabia que a escola voltaria algum dia”, relembra o ator.
Além dos alunos e amigos do teatro, Bete também era muito querida pela família. A artesã deixa cinco filhos: Douglas, Diogo, Diego, Daiana e Débora.
Douglas Lima, 43, arquiteto e filho mais velho de Bete, descreve a mãe como uma guerreira, uma mulher que sempre gostou de ajudar as pessoas e que ensinou aos filhos a importância do trabalho e do compromisso. “Ela teve uma vida muito dura. Deixava eu e meus irmãos em casa e ia trabalhar para sustentar a gente após o falecimento do meu pai”, conta ele.
Um dos maiores orgulhos de Dona Bete foi ver que após tanta luta, todos os filhos conseguiram estudar, se formar, e constituir família. Todo o cuidado que ela teve com eles ao longo dos anos, foi retribuído quando descobriu o câncer no pulmão. “Na hora mais difícil, todos os filhos se juntaram para ajudá-la”, relembra o arquiteto.
A força de Elizabete esteve presente até mesmo no final da vida. Ela descobriu a doença há cerca de dois anos, e logo quando teve o diagnóstico, começou o tratamento. Com a perda de cabelo ocasionada pela quimioterapia, os alunos do teatro foram essenciais para dar incentivo.
“Ela começou a usar turbantes, o pessoal do teatro, sempre muito animado, dizia: ‘Dona Bete, você está linda, está maravilhosa’ ”, relata.
O tratamento de Bete teve fases boas e ruins. De acordo com o filho, houve um momento que eles até dispensaram a cuidadora, e ela conseguia ir para casa de amigas, ao mercado e fazer tudo sozinha. No entanto, nas últimas semanas, por conta de uma cirurgia que precisou fazer, houve uma piora no quadro, e complicações no coração, ela não resistiu.
Além dos filhos, Bete deixa um legado segundo as pessoas próximas: quando falarem em Escola Livre de Teatro, ela sempre será lembrada.