Estão em andamento as eleições para a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O processo elegerá o novo ou a nova ouvidor(a)-geral, que tem o papel de fiscalizar o órgão e ser o principal canal de escuta da sociedade.
Com salário de R$ 14.390, o profissional eleito terá um mandato de dois anos, podendo ser reeleito.
Neste ano, por conta de uma disputa entre o Conselho Superior da Defensoria e o Condepe-SP (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), existem dois processos eleitorais correndo paralelamente.
No processo tradicional, conduzido pelo Condepe-SP desde a criação do órgão, em 2006, os candidatos precisam comprovar formação e atuação junto aos direitos humanos, além de serem indicados por uma organização da sociedade civil com mais de cinco anos de existência.
De acordo com o rito, os pretendentes ao cargo participam de uma audiência pública – prevista para março, mas ainda sem data definida – onde fazem a defesa de suas respectivas candidaturas. Após a sabatina, seis conselheiros do Condepe-SP indicam quais foram os três candidatos mais bem-sucedidos e encaminham esta lista tríplice ao Conselho Superior da Defensoria, que, por sua vez, elege um para ser o ouvidor. A nomeação posteriormente é feita pelo governador.
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Já o segundo procedimento eleitoral está sendo conduzido de forma inédita pelo próprio Conselho Superior da Defensoria Pública. Nele, qualquer cidadão pode votar e até mesmo se candidatar, desde que comprove “reputação ilibada”, conceito previsto na Constituição atribuído a uma pessoa “íntegra, sem mancha, incorrupta”, de acordo com a definição do Senado Federal.
Antes de comparecer à urna portando seu título de eleitor – o mesmo utilizado nas eleições presidenciais e afins -, é necessário que a pessoa interessada em votar realize sua inscrição no site da Defensoria Pública. Feita a apuração, é eleito o candidato mais votado.
Ainda não há, porém, previsão para a divulgação da lista de candidatos, para a abertura do período de inscrições ou até mesmo para a data de votação.
DISPUTA JUDICIAL
A duplicação nas eleições ocorre por conta de um imbróglio legal: a Lei Complementar Estadual 988, de 2006, determina que haja uma lista tríplice organizada pelo Condepe-SP; enquanto a Lei Complementar Federal 132, promulgada em 2009, estabelece que o papel de regulamentar o processo cabe ao Conselho Superior.
Em janeiro, o edital com as novas normas eleitorais publicado pelo Conselho Superior chegou a ser suspenso liminarmente pelo juiz Antônio Augusto Galvão de França, da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, após mandado de segurança de uma das candidatas ao cargo questionando a legalidade do processo. Esta decisão judicial, no entanto, foi revertida no início de fevereiro pelo Tribunal de Justiça paulista e, desde então, os dois procedimentos eleitorais estão valendo.
Na ocasião, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) publicou uma nota pública repudiando a deliberação do TJ-SP e acusando o Conselho Superior de tentar enfraquecer o posto de ouvidor-Geral.
“Em um primeiro momento, tal mudança [permitir a participação de pessoas comuns no processo eleitoral] pode parecer mais democrática, no entanto a retirada da decisão das mãos da sociedade civil organizada é uma forma de desarticular e deslegitimar as organizações que há anos estão engajadas no tema dos direitos humanos e no fortalecimento dos direitos sociais e individuais. É indiscutível que tal determinação pode fragilizar a independência, autonomia e legitimidade da ouvidoria”, diz o texto.
O atual ouvidor-Geral, Alderon Costa, está de acordo: “A sociedade civil é que tem que definir qual processo é melhor para a indicação da lista tríplice. A lista tríplice pertence à sociedade civil e os movimentos sociais têm legitimidade para participar desse processo”, frisa. “Em termos de ideal seria o ouvidor ser indicado pelos movimentos sociais. O órgão de fiscalização da Defensoria deveria ser controlado pela sociedade civil”, argumenta.
Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a Defensoria Pública e seu Conselho Superior não haviam respondido até o fechamento desta matéria.
DO LADO DO POVO
Eleito em 2014 e reconduzido em 2016, ambas as vezes conforme as regras da Lei 988, Alderon defende o sistema do Condepe-SP por considerá-lo mais criterioso.
“Nós temos que ter critérios para a seleção do ouvidor, temos que ter profissionais que entendam do processo de defensoria e que estejam próximos dos movimentos sociais e das pessoas mais vulneráveis”, enfatiza.
Para o advogado Francisco Crozera, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, apesar da confusão gerada com a publicação de dois editais estabelecendo regras distintas para a concorrência ao mesmo cargo, a população precisa estar atenta e acompanhar o desenrolar do processo para garantir que o profissional eleito seja alguém comprometido com as demandas das pessoas que mais precisam da Defensoria.
“A Defensoria Pública é muito importante porque oferece atendimento jurídico gratuito a pessoas que não podem pagar por um advogado e a ouvidoria tem a função de fazer a escuta da população que utiliza os serviços da Defensoria. Ela [a ouvidoria] além de esclarecer dúvidas, ouve críticas e as encaminha para corrigir eventuais problemas no atendimento”, esclarece Crozera.
“Vão ter sempre ouvidores diferentes, alguns que são mais críticos, outros menos críticos, com perfis diferentes, isso faz parte; mas, politicamente, o ouvidor ou ouvidora tem que ter um lado: é o lado do usuário. Este é o grande critério”, conclui Alderon.
De acordo com uma especialista ouvida pela reportagem, com a duplicação do processo eleitoral o cenário provável será haver dois profissionais distintos eleitos para o cargo. Neste caso, a decisão final deverá ser definida na Justiça.
Entenda o processo histórico da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública: