Localizados nos extremos norte e sul da cidade de São Paulo, os hospitais da Brasilândia e de Parelheiros vivem novelas parecidas apesar dos quase 50 km que os separam.
Com obras iniciadas entre 2014 e 2015, as duas unidades de saúde tiveram problema na execução da obra, seguem incompletas e têm desconfiança da população dessas duas periferias da capital. Para completar, as duas unidades passaram a ter mais atenção do poder público por causa da pandemia do novo coronavírus.
Em março, o prefeito Bruno Covas (PSDB) inaugurou 20 leitos de UTI em Parelheiros. Dias depois, anunciou que seriam abertos 150 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e 30 leitos de enfermaria na Brasilândia exclusivamente para o tratamento de pacientes de Covid-19.
“Não quero parecer pessimista, mas do jeito que as pessoas estão nos espaços cheios de gente, particularmente acho que não haverá leitos suficientes. Nos últimos meses, a obra está rápida, mas ainda falta muito”, diz a professora Nilda Maia Bello, 58.
Moradora do bairro do Jardim Maristela, ela acompanha a evolução das obras do Hospital Municipal da Brasilândia, em frente a sua casa.
Nilda foi contra a construção do equipamento de saúde no bairro, no início das obras, por achar que o terreno poderia ser utilizado para outros serviços públicos. Hoje diz não acreditar que o hospital conseguirá atender a demanda do que vem pela frente com a pandemia.
Os primeiros números da Covid-19 na região já tem dado essa impressão. Até o dia 24, o distrito era o que tinha maior número de mortes e mortes suspeitas pela doença (são 31 confirmadas e 50 em investigação).
A subprefeitura Freguesia do Ó Brasilândia é uma das com maior letalidade na capital, com 30% até o dia 17, conforme levantamento da Agência Mural.
O hospital começou a ser construído em 2015, na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), e a entrega era umas das promessas do programa de metas 2013-2016.
Com impasses entre Haddad e o governo estadual por conta do terreno, onde também é construída a estação Brasilândia, da futura Linha 6-Laranja do metrô, a obra ficou para a gestão seguinte.
“Esse hospital é uma luta que se arrastou por vários anos. É lamentável que tenhamos que passar por um problema tão grave para fazer com que a prefeitura voltasse o olhar para a conclusão da obra”, diz Cláudio Kafé, 47, coordenador de gestão e projetos da Amavb (Associação de Moradores do Alto da Vila Brasilândia).
Atualmente, a prefeitura afirma que conclui as obras até dezembro deste ano, com hospital geral e maternidade. São previstos 305 leitos prontos para atender 2,2 milhões de pessoas da região.
Antes, porém, a gestão prevê a abertura parcial para tratamento da Covid-19. A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde não informou a data em maio que ocorrerá a abertura do hospital.
De olho na chance de um novo emprego, a ex-agente de saúde Vanessa Santos, 37, está desempregada e atenta à construção. “Moro praticamente de fundo do hospital, e como trabalhei seis anos na área de saúde, estou de olho. É minha paixão, até fiz um curso de enfermagem e a vaga que aparecer é de total interesse”.
A moradora relembra as fases de paralisação e obstáculos, mas considera os benefícios futuros. “Teve mudança de gestão, e um tempo que as obras pararam, além da desapropriação de famílias, que foi muito doloroso para os moradores”, relembra.
“Por outro lado, esse hospital vai beneficiar a zona norte inteira, e na questão de trabalho, vai abrir bastante oportunidades, pois pelo que li vão dar prioridade para moradores da região”, diz Vanessa.
Moradora do Jardim Eliza Maria, pertencente ao distrito da Brasilândia, a autônoma Maria do Carmo, 55, está preocupada com a demanda de pacientes que pode surgir na região. “Creio que pela falta de credibilidade e informações divergentes, a população está ignorando a quarentena aqui e com isso teremos muitos casos na região. Não haverá leitos de UTI suficientes”, avalia.
PARELHEIROS
Na manhã desta quinta-feira (30), um carro funerário deixava o Hospital de Parelheiros. Uma funcionária comentou com a Agência Mural que era a décima vez no dia que eram chamados para esse tipo de ocorrência na unidade. Oficialmente, o distrito contabiliza duas mortes e 12 casos da Covid-19.
As obras nesse hospital avançaram mais do que na Brasilândia, apesar de seguir incompleto. Houve uma inauguração parcial com dois anos de atraso, quando foi aberto o Pronto Socorro. A secretaria de saúde não respondeu qual porcentagem atual de uso das instalações.
A espera pelo hospital foi longa. A obra começou em 2014, com previsão de entrega em 2018. Houve atrasos e aumento no investimento previsto – eram R$ 148 milhões orçados que pasaram para R$ 187 milhões.
Distante do centro da capital, a região tem a menor oferta de leitos públicos, com apenas 0,7 por mil habitantes. Mesmo após a inauguração, usuários precisaram se deslocar para outros hospitais para ter atendimento.
“Fui pra lá passando mal algumas vezes e o procedimento foi sempre o mesmo, soro na veia e se o caso for mais grave eles encaminham para o hospital Grajaú”, conta Laura da Silva, 19, moradora de Marsilac.
Laura entende que agora a atenção com o hospital não é mais para atender a demanda regional e sim para ser um hospital geral de referência no combate a Covid-19.
“Não é um hospital que trabalha pelo território e só estão adiantando as coisas agora porque São Paulo precisa se organizar pra ajudar todo mundo e não para atender as demandas daqui”, avalia Laura da Silva, 19, moradora de Marsilac.
Localizado no extremo sul da capital, o hospital começou a atender a população em março de 2018, quando o governador João Doria (PSDB), ainda como prefeito, inaugurou o Pronto Socorro.
Para a cabeleireira Jacqueline Pereira, 34, as eleições são sempre o motivo para as obras do bairro andarem. “Eles só lembram de fazer as coisas em época eleitoral, e agora com a doença”, conta.
“Levei meu filho para uma consulta devido a uma ferida na cabeça, tive que voltar duas vezes porque os remédios não fizeram efeito e da segunda vez fui encaminhada para o AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e de lá fui encaminhada para outro hospital”.
Segundo o secretário de Saúde, o hospital de Parelheiros já é um dos hospitais da cidade que está com 100% dos leitos de tratamento contra o coronavírus ocupados. A prefeitura afirma que, até o mês de maio, mais 268 leitos de atendimento serão destinados aos pacientes graves nesta unidade. Por enquanto, 20 estão em funcionamento.