Quem passa pela avenida Chica Luiza, zona noroeste de São Paulo, não imagina que a um quilômetro do asfalto moram 26 famílias guaranis na Tekoa Itakupe, uma das seis aldeias da Terra Indígena Jaraguá.
Mesmo no meio da cidade, os indígenas vêm tentando manter seu modo de vida tradicional, e, para isso, contam com a natureza. Desde 2018, eles constroem lagos a partir de nascentes para que possam retirar seu sustento dos peixes.
“Nós indígenas sempre vivíamos de pesca e caça. A gente não pode mais caçar, então agora vivemos de pesca”, pondera o cacique Michel Wera, de 20 anos.
A ideia de manejar a água do local para que se criassem lagoas veio do permacultor Adriano Sampaio, 49, também conhecido como “caçador de nascentes” e morador da Vila Clarice, bairro vizinho. Em uma visita à aldeia, percebeu que pela região passava o rio Ribeirão Manguinho, assoreado e transformado em brejo.
“O cacique Ari, meu avô, falou que era possível construir os lagos, mas sem ajuda de máquinas levaria quase dois anos para terminar”, relembra Michel, que é a liderança atual da aldeia. A área é cercada árvores, e não poderia ser acessada por máquinas como retroescavadeira sem que fosse desmatada.
Foi aí que Adriano aceitou o desafio de recriar estas lagoas usando apenas enxadas e força humana. O trabalho consistia, principalmente, em retirar grandes quantidades de terra para criar os poços, e foi feito em mutirões.
Michel reforça que a empreitada foi coletiva. “Esse lago é um benefício não só para a liderança, mas para todo mundo daqui”, pondera. Além dos próprios indígenas, Adriano organizou mutirões com pessoas de fora que apoiam a causa dos guaranis, mas os eventos estão parados desde o início da pandemia.
“Tudo é feito artesanalmente, principalmente respeitando o calendário guarani. Os lagos foram feitos usando muitas das técnicas deles, que é de observar o ciclo da água durante as quatro estações do ano”, explica o permacultor.
PEIXE PARA PESCAR
Atualmente, já são quatro lagos concluídos e um em construção. Para que eles sirvam como sustento das famílias guarani que ali vivem, uma campanha online está arrecadando dinheiro para compra de peixes e ração.
Após ajuda de um profissional em piscicultura, a comunidade decidiu pela compra de sete espécies: tilápia, lambari, tambacu, pacu, jundiá, cascudo e curimbatá.
Três lagos já contam com alguns peixes, que são pescados com cautela para que as espécies não se extingam. “Agora é época do ara pyaú, ano novo Guarani, quando os peixes estão reproduzindo. Então, eles estão esperando passar esse período para pescar”, exemplifica Adriano.
“A gente está fazendo essa vaquinha justamente para aumentar a criação. O número de famílias está aumentando. A ideia é que a gente faça mais lagos para que as seis aldeias tirem sustento daqui”, completa o permacultor.
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CULTURA GUARANI
Apesar da urbanização no entorno da Terra Indígena Jaraguá, a pesca é só mais um dos esforços para manter viva a cultura guarani.
As vestimentas com folhas e adornos com penas, tomadas como símbolo dos indígenas, são apenas uma das formas como exercem sua cultura. Na aldeia Itakupe, apesar das roupas iguais a quaisquer outros habitante da cidade, os moradores conversam entre si em guarani e fazem questão de transmitir a língua às crianças.
Em dezembro, o cacique Michel prepara um festival para reunir outras aldeias (ou tekoas) do povo Guarani Mbya, do qual fazem parte. Além das seis que existem em torno do Pico do Jaraguá, o município de São Paulo também abriga oito aldeias na Terra Indígena Tenondé Porã, em distritos de Parelheiros e Marsilac, extremo sul.
Mesmo com particularidades de cada região, Michel garante que a cultura os une. “O guarani é um só. O costume ali dentro da aldeia é diferente. Mas o pensamento, o espírito, o coração é igual”, finaliza.
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