Lutas com close nos golpes, esquivas rápidas e uma frigideira ‘encantada’ com poder semelhante ao martelo de Thor. Essas são as cenas presentes no curta-metragem “Dez Conto”. Muito longe dos cenários e sets de Hollywood, o filme tem como pano de fundo o bairro da Vila Missionária, no extremo sul de São Paulo.
Foi com uma ideia na cabeça e literalmente R$ 10 no bolso que o editor de vídeo Bruno Maciel, 23, que mora no bairro, se juntou com mais quatro amigos da região para colocar seu projeto nas telas.
“Sou formado em audiovisual e desde que saí da faculdade ouvi muitos ‘nãos’. Sempre quis fazer uma cena de ação, então juntei o pessoal e gravei”, lembra Maciel.
Da cena de ação nasceu o curta, que foi produzido sem roteiro, dirigido, gravado e editado por Maciel. “Dirigir os meninos foi fácil. A gente fazia teatro na igreja, então já tinha um pouco desse costume de trabalhar junto”, lembra o jovem.
Com todo o elenco desempregado, a produção foi feita logo no primeiro mês que a quarentena por causa da Covid-19 foi decretada na cidade de São Paulo e teve como cenário as ruas do bairro e casas dos atores.
O enredo da trama gira em torno de uma briga por R$ 10 que se torna um conflito sem precedentes com cenas e mais cenas de lutas. “O curta conta a história de uma grande confusão em que três traficantes devem R$ 10 um para o outro. Tudo acaba virando uma grande bola de neve”, explica Bruno.
A trilha sonora lembra filmes do velho oeste dos Estados Unidos e a fotografia muitas vezes em primeiro plano traz fortes lembranças do clássico Matrix, mas tudo com o vasto cenário de pequenas casas laranjas que tomam o horizonte da Vila Missionária, bairro do distrito de Cidade Ademar, que pode ser visto de cima da laje da casa de um dos artistas.
HUMOR E VIOLÊNCIA
Apesar da violência, a história conta com diversos elementos cômicos, que vão de uma versão remixada em forró brega da banda norte-americana Linkin Park até falas do desenho Rei Leão da Walt Disney.
“Minha maior referência nesse filme foi Tarantino, eu queria uma violência pesada, mas ao mesmo tempo divertida, como a gente assiste no filme Kill Bill e Django Livre. Peguei muita inspiração em filmes de faroeste, com esse conflito entre três homens, esses foram o norte”, explica Maciel.
Mas além da comédia, a ideia do diretor Bruno Maciel é também fazer refletir sobre um cotidiano violento com o seu curta metragem.
“Eles estão brigando por R$ 10, enxergo como uma metáfora, as pessoas estão se matando por pouca coisa, no trânsito, nas ruas, em bares”, ressalta. “Na semana da gravação da última parte do curta, uns caras estavam jurando um outro de morte na rua de um dos membros do grupo por causa de R$ 20, é pesado isso”.
Para Gabriel Passos,19, que tem o papel de protagonista do filme (o primeiro a ser cobrado pelos dez reais), a obra também é uma espécie de espelho. “De certa forma, retratamos um pouco do que escutamos e do que vemos, mas de uma forma mais leve”, comenta.
CRIAÇÃO DE SONHOS
Estar dentro do curta-metragem como ator também fez Passos conhecer o outro lado da tela, além de espectador. “Sempre via filmes desse tipo na internet, mas nunca me imaginei fazendo um”, comentou
“Quero trabalhar na área de design, mas se surgir uma oportunidade de crescer como ator eu continuo”, completou Passos
Para Matheus Ribeiro, 18, que também interpretou um dos traficantes no curta-metragem, participar das gravações o fizeram ter mais certeza do que quer seguir como profissão, mas a incerteza do espaço na área ainda o acompanha.
“Ainda tenho aquele medo de arriscar em ser artista e não fluir tanto, como se eu fosse um cozinheiro, por exemplo. Desejo ser artista ou seguir no ramo da gastronomia”, comenta Ribeiro que no momento está desempregado.
Para Bruno Maciel, diretor e idealizador da história, ser um diretor de cinema é um sonho que o acompanha há muito tempo. “Quando falava isso na escola, na roda de amigos e até com alguns parentes, virava motivo de piada”, lembra ele.
O curta-metragem de Maciel nasceu dois anos depois que ele concluiu o curso superior de produção audiovisual em uma universidade privada com bolsa 100% do Prouni (Programa Universidade para Todos). “Foi uma conquista, eu quase não dormia na época”, lembra ele. Atualmente sua câmera apresenta defeitos técnicos, mas as barreiras não o impedem de sonhar. “Quero ganhar um Oscar, sou apaixonado por cinema, como vou fazer ainda não sei”, comenta.
Maciel e os amigos agora iniciam as gravações de uma continuação do curta-metragem, que leva o nome de “Dois Conto” e apresenta novos acontecimentos na vida das personagens.