Uma geladeira colorida chama a atenção de quem passa pela estação Guaianases, na zona leste de São Paulo. No lugar de comida, dentro dela há livros, revistas e gibis para quem quiser ler. O projeto “geloteca” foi idealizado pelo professor de arte, poeta e artista visual João do Belmonte, 40.
“A ideia é criar pontos independentes de leitura para promover a troca de conhecimentos de forma acessível e gratuita”, explica João.
Em oito anos de atuação, o projeto Geloteca, criado por João, já instalou cerca de 390 bibliotecas móveis em São Paulo, distribuindo 35 mil livros pelo estado. Iniciativas semelhantes no Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais, Pará e Pernambuco elevam o número de geladeiras transformadas em pontos de leitura para 700 em todo o Brasil.
“Tenho parcerias com outros projetos pelo Brasil. Inclusive, o Projeto Geloteca BH, em Minas Gerais, eu ajudei a fazer a primeira geladeira e eles continuaram com o trabalho. Também tem outros projetos espalhados pelo país como O Pará Que Lê, no Pará, Projeto Geloteca RS, no Rio Grande do Sul e muitos outros”, conta.
Além de incentivar a leitura, o projeto busca engajar a comunidade. João explica que o processo de criação de uma geloteca envolve a participação de moradores na confecção das bibliotecas ambulantes.
‘Primeiro a gente pega uma geladeira velha, de preferência doada, e depenamos ela. Tiramos o motor e toda parte de ferro. Construímos as prateleiras e depois confeccionamos. Nesse processo, toda a galera do bairro participa’
João Belmonte, educador social
Espalhadas por escolas, praças, hospitais, estações de trem e metrô, as gelotecas são constantemente abastecidas por João e pelos leitores que apoiam a iniciativa. Todos os livros são provenientes de doações de pessoas e empresas parceiras. Isso garante que as geladeiras permaneçam sempre cheias de livros.
“Sei que a Geloteca não vai mudar o mundo. Até porque é só um projeto de incentivo à leitura. Mas, ao oferecer acesso a livros e promover a leitura, estamos contribuindo para um ambiente onde o conhecimento tem a chance de crescer”, afirma João.
Esta iniciativa já provoca mudanças significativas na vida dos leitores. Um exemplo disso é o caso de um haitiano que abriu a própria empresa de tecnologia após ler um livro sobre empreendedorismo obtido na Geloteca de um ponto de ônibus em Guaianases.
Hoje, o empreendedor mora nos Estados Unidos, mas em uma das visitas ao Brasil, encontrou-se com João na Expo Favela e expressou a gratidão pelo projeto. Para o criador da Geloteca, os impactos se revelam gradualmente ao longo do tempo.
“Percebo o impacto principalmente nas crianças, pelo lado lúdico da coisa. Elas encontram na geladeira um espaço que deveria guardar comida, mas que oferece alimento para a mente. Lá dentro, há várias histórias e aventuras esperando por elas”, afirma.
A assistente administrativa Nicole Abreu, 39, residente de Cidade Tiradentes, na zona leste, é uma das leitoras e apoiadoras do projeto. Ela destaca os benefícios da leitura para os jovens.
“Quando elas leem livros físicos, acabam criando memórias muito mais marcantes do que com as versões digitais. Os livros ajudam a melhorar a compreensão, a imaginação e até a concentração delas”, destaca.
Geralmente, cada geloteca conta com um embaixador, uma espécie de “guardião” que assume a responsabilidade pela manutenção da biblioteca e cuidar para que esteja sempre organizada, com livros em bom estado e acessíveis para todos.
O início do projeto
A ideia de transformar geladeiras em bibliotecas ambulantes surgiu quando João viu um projeto semelhante fora do Brasil. Porém, nessa iniciativa a geladeira tinha um cadeado e a pessoa precisava chamar o proprietário para destrancar a biblioteca.
João achou a iniciativa interessante, mas queria fazer algo diferente. Ele colocou as geladeiras na rua, sem nenhuma supervisão, e deixou que a própria comunidade cuidasse delas.
Antes de criar a Geloteca, ele ministrava aulas para crianças em um projeto chamado Sarau da Quebrada, em Guaianases. Durante as atividades, havia muitos livros disponíveis para os moradores da região. Foi a partir desse acervo inicial que ele deu origem à primeira biblioteca ambulante.
João explica que, no início, a ideia era transformar Guaianases, bairro onde ele reside, em um dos maiores polos de leitura independente da América Latina. Começou instalando oito gelotecas pelo distrito. O primeiro deles, foi na frente da barbearia de um amigo.
Logo, o projeto se expandiu para outras cidades e começou a atrair parceiros em outros estados. Hoje, João destaca que já estabeleceu colaborações com iniciativas semelhantes em várias regiões do Brasil, inclusive conta com parceiros no Uruguai.
Hoje, ele pensa em como fazer para o projeto chegar mais longe. “Acredito que podemos expandir essa ideia e criar um formato que seja replicável para empresas ou outros locais, utilizando a temática das gelotecas. Estou focado em formalizar todos esses processos”, explica João.