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Jornalistas apontam falta de abordagem sobre a imprensa negra no país

Por: Lucas Veloso e Paulo Talarico

Quando se fala na história da imprensa no Brasil, o que é comentado sobre a imprensa negra, nas salas das universidades ou mesmo quando se fala da profissão? Este questionamento esteve presente em duas mesas do congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

O tema surgiu em mesas que debatiam o jornalismo na periferia e aquilo que a imprensa não mostra. O questionamento era o quanto essa história não está dentro da cobertura, além do trabalho realizado por essa mídia que pauta a questão racial como política editorial.

Criado em 1833 pelo jornalista, poeta e livreiro Francisco de Paula Brito, o “O Homem de Côr” é considerado o primeiro jornal brasileiro a falar sobre negritude, apenas 25 anos depois da Gazeta do Rio de Janeiro, considerado o primeiro veículo brasileiro.

A proposta do veículo era a luta contra a discriminação racial, cinco décadas antes da abolição da escravatura no país.

“Quem decide quem é mídia e quem não é?”, questionou Donminique Azevedo, durante a palestra “O que a mídia não mostra, nós mostramos”.

Pós-graduanda em gênero, raça e sexualidades pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), ela trabalhou no Correio Nagô, da Bahia, veículo voltado a cobertura das ações da comunidade negra no Brasil. Recentemente, ela lançou o Hiatus, plataforma que trabalha com infográficos no Instagram para mostrar dados que são invisibilizados.

Um dos pontos que ela menciona com relação a imprensa negra é o fato de esse jornalismo muitas vezes ser diminuído com o tom de que não é jornalismo. “Tratam como se fosse apenas ativismo”.

“Mas precisa diferenciar como imprensa negra?”, questionou uma das pessoas a acompanhar a mesa. “As pessoas que atuam com esse trabalho preferem que sim”, disse Donminique.

Donminique participou da Isso a mídia não mostra, mas nós mostramos (Alice Vergueiro/Abraji)

Quem também mencionou essa história foi Pedro Borges, jornalista e um dos fundadores do portal Alma Preta, veículo especializado na temática racial. Para ele, o racismo é o principal elemento que impede destaque aos marcos históricos das pessoas negras.

“O apagamento desse canal de mídia é fruto do racismo que mata o povo negro, também pelo seu apagamento. Nós chamamos de epistemicídio, o apagamento simbólico, intelectual do que fazemos e produzimos”, define.

“A primeira mídia não hegemônica existente no Brasil foi a negra. E foi apagada, mesmo com toda a sua importância. Também quem fundou o veículo tem grande importância para o país, já que ele é quem, anos depois, publica Machado de Assis, o maior escritor brasileiro”, defende Borges.

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Para Borges, apesar dos conhecimentos técnicos, os jornalistas negros sempre enfrentaram o desinteresse do mercado em investir em seus editoriais, mas nas últimas décadas, com o aumento dessa população nas faculdades, a realidade é mais favorável. E isso é parte da mudança no cenário.

“Precisamos de um público leitor, engajado contra o racismo. Nós temos, cada vez mais, a juventude negra das periferias, nas universidades, públicas e privadas, e elas têm feito uma diferença grande, pois criam outras possibilidades”, salienta.

O Censo do Ensino Superior, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), trouxe o aumento no número de matrículas dos estudantes negros em cursos de graduação. Em 2011, 11%. Em 2016, ano do último Censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30%.

“É uma juventude que vai se colocar contra o racismo, disputar espaço e fortalecer a mídia negra”, continua. “Imagina no século passado, brancos sem interesse em nossa produção e negros recém libertos do escravismo, era pequeno o público. Hoje a gente tem o público maior, mais engajado. Conseguimos lapidar a linha editorial”, compara.

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