Injustiça social, racismo, falta de moradia, intolerância religiosa, machismo e feminicídio são algumas das causas enfrentadas pelas ativistas Bruna Silva, 21, Roseane Santos, 23, e Beatriz Sousa, 20. Para essas jovens moradoras das periferias de Salvador, a discussão e a vivência desses temas são constantes e a consciência da juventude negra está cada vez mais articulada para mudar realidades.
“A sociedade precisa entender que a juventude não quer só droga, prostituição e paredão. A juventude está engajada na luta social, na política, porque a gente já entendeu que esse país aqui não é o que a gente quer. Essa sociedade racista, machista, LGBTfóbica não é o que queremos”
Bruna Silva, poetisa e moradora da Suburbana
A poetisa iniciou suas atividades na militância no Espaço Cultural Alagados, no bairro do Uruguai. “Minha trajetória começa quando conheço o Espaço Cultural Alagados e lá participo de rodas de conversa sobre questões raciais e sociais. Minhas experiências com o racismo, machismo e as diversas opressões me dão fôlego para escrever, como também a vivência dos meus amigos e familiares”, conta Bruna. Atualmente, ela realiza seus trabalhos independentes com poesia.
Para ela, a participação dos jovens negros das periferias na política é necessária para mudar desigualdades sociais. “A gente precisa entrar no debate político. Principalmente, porque estamos dentro das periferias, onde não tem um saneamento básico, que é o mínimo. O emprego não chega para gente, o ônibus demora a passar, enfim, é a gente que passa por isso, e por isso nos engajamos muito mais nessa luta social e política que a juventude branca”, diz.
Assim como Bruna, a universitária Beatriz Souza é outra jovem ativa em movimentos sociais desde cedo. Moradora do Nordeste de Amaralina, Beatriz é ativista do Odara Instituto da Mulher Negra, onde trabalha na área de comunicação e participa de um programa com jovens meninas negras no combate à Covid-19, na Bahia e em Pernambuco.
“A gente ensina e demonstra para elas a força que têm, como podem usar as redes sociais, como podem usar a comunidade, mostramos que elas têm voz. Então, tudo é pensado para que essas meninas consigam acessar esses direitos”, diz Beatriz, que participa de atividades do instituto desde 2016.Para a ativista, o futuro terá mudanças significativas a partir da articulação e protagonismo dos jovens.
“A juventude negra está construindo um espaço de poder e isso é muito real, porque esse espaço não será construído pelo Estado”.
Beatriz critica o papel do poder público na garantia da segurança e dos direitos da juventude negra. “O genocídio é um projeto de Estado que está correndo a todo vapor há mais de 500 anos nesse país. Então, se não formos nós, do movimento de mulheres pretas, de pessoas pretas, se a gente não cria esse espaço para nossa juventude, para que deem continuidade a nossa luta, esse espaço não vai existir”, avalia.
De acordo com o Atlas da Violência 2021, negros têm mais do que o dobro de chance de serem assassinados no Brasil, representaram 77% das vítimas de assassinato no país em 2019.
Contudo, a estudante se diz confiante na ação dos jovens para o futuro. “Sigo esperançosa do futuro porque vejo a juventude se articulando e isso é histórico. Principalmente sendo uma jovem que consegue entender o gás que estamos dando. A juventude vai narrar discursos e vai construir caminhos para o futuro ser mais frutífero”, concluiu Beatriz.
Outra jovem que também atua politicamente em seu bairro, o Jardim Cajazeiras, é a atriz e poetisa Roseane Santos, conhecida como Rose. A jovem, que na infância morava em uma ocupação, conta que começou sua trajetória na militância há cinco anos no Movimento Sem Teto Da Bahia.
“Viver a trajetória no movimento foi o pontapé que eu tive na militância. As pessoas que residiam lá me deram o maior apoio e isso me marcou”, diz.
Atualmente, ela faz parte do Coletivo Incomode, uma articulação que abrange outras organizações e debate questões sociais na região. “As pautas de luta do Coletivo Incomode e as que defendo são o encarceramento em massa, extermínio, do genocídio da juventude negra à violência policial, racismo, intolerância religiosa e o feminicídio”, pontua.
Rose alerta sobre o desafio de conciliar uma vida ativa na militância e não se desestabilizar emocional e psicologicamente. “Você está nas rodas de debate e está escutando depoimentos de pessoas violentadas das mais diferentes formas. É muito muito revoltante e, se não tivermos uma cabeça firme, a gente pensa até em desistir”, diz.
“A gente vem tentando buscar debater e estudar também sobre como devemos agir diante dessas questões no nosso dia a dia. Porque o racismo, por exemplo, é algo muito frequente”
A jovem conta que já passou por momentos de ansiedade que não conseguia se apresentar, nem recitar poesias. Também relembra momentos marcantes no palcos. “Eu era a dona Miriam que havia perdido o filho. A peça mostrava o jovem no caixão e a patroa falando que a mãe precisava trabalhar, sem se importar com o corpo do filho da empregada. Chorei no ensaio; chorei encerrando a peça. Aquilo foi muito forte para mim”.
A partir dali, Rose diz ter se sentido motivada a prosseguir como ativista. “Essa cena me fez ter força de vontade para seguir, para dar continuidade na militância e ajudar jovens que estão dentro das comunidades e que às vezes só precisam de cultura, de projetos, de que a cultura chegue até eles”.
Para a atriz, há esperanças na atuação da juventude negra. “Espero e desejo muito construir um futuro. Comunidades onde não haja tanta violência como agora. Construir jovens com mentes pensantes para que sejam Dandaras, Marighellas, pretos potências que possam se ver e se inspirar naqueles que vieram antes de nós”, conclui.