A estudante e ativista Karoline Freire Dias, 17, é uma das criadoras da Na Ilha – Agência Jovem de Notícias, uma agência de notícias para falar sobre a importância da preservação do território da Ilha do Bororé, península localizada no Grajaú, no extremo sul de São Paulo.O grupo trabalha sobre quatro frentes urgentes no território: o desmatamento, a falta de saneamento básico e energia, e a mobilidade urbana.
“A população não aguenta mais viver desassistida. O ônibus demora mais de 40 minutos para passar e nem todo mundo tem dinheiro para construir a própria fossa. Aqui também ocorre muito desmatamento por causa das invasões e já chegamos a ficar 15 dias sem luz”, relata.
O olhar dela para o ativismo começou na Escola Estadual Adrião Bernardes, única escola pública de ensino fundamental e médio na Ilha, enquanto participava do NAEA (Núcleo de Arte e Educação Ambiental do Bororé) em 2021, projeto orientado para a educação ambiental feito por uma equipe de arquitetos e geógrafos da USP (Universidade de São Paulo).
Depois da formação, a jovem passou a enxergar beleza dentro do território e lutar pela preservação ambiental. “O que temos aqui na Ilha [do Bororé] são potências e a gente tem que cuidar. Tomei gosto pela coisa”.
Ao total, 20 alunos participaram da formação, onde tiveram a oportunidade de fazer experimentações que combinavam o cuidado ambiental com o conhecimento sobre a região.
Entre os lugares que conheceram foi a Cogu Li, iniciativa de produtores independentes do cogumelo shimeji, o Parque Ilha do Bororé, e a Casa Ecoativa, espaço público de lazer, convívio, cultura e consciência ambiental, onde aprenderam a fazer tinta de terra e fizeram um minhocário.
Os passeios também se estenderam para localidades fora do distrito do Grajaú, como o Quilombo da Fazenda e a Aldeia Indígena do Rio Bonito, ambas em Ubatuba.
‘Vimos que era muito importante ocupar o lugar onde a gente mora, ocupar a periferia. Comecei a pensar no quanto queria trabalhar com isso’
Karoline Freire Dias, jovem do Grajaú
Ao especial “Periferia e Justiça Climática: alternativas ambientais para os nossos”, ela fala sobre a importância de lutar pelo meio ambiente dentro das periferias e como as mudanças climáticas afetam principalmente a população que vive nestes locais.
Ocupando e reconhecendo o próprio território
Karoline mora na Ilha do Bororé há 10 anos. Antes, a jovem vivia com a família no Parque América, próximo ao Terminal Grajaú.
Com a mudança, vieram novas perspectivas de vida: a ativista passou a viver em uma chácara, com mais contato com o verde, acesso a água por meio de um poço, e começou a fazer a plantação de árvores frutíferas.
Essas vivências não são comuns para pessoas que vivem nas periferias de uma grande cidade como São Paulo. No entanto, a Ilha do Bororé é uma APA (Área de Proteção Ambiental) e contempla importantes remanescentes florestais secundários pertencentes ao bioma mata atlântica. Para chegar ao território, é necessário fazer a travessia de balsa gratuitamente.
“Vi que aqui temos uma pauta muito importante, que é o desmatamento, mas inserido nas periferias junto com o racismo ambiental. Então comecei a pensar que precisamos criar projetos para combater isso, porque as periferias são as que mais sofrem com as mudanças climáticas”, observa.
De acordo com o relatório Mudança Climática: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (ONU) em 2022, as consequências mais graves das mudanças climáticas atingem principalmente a população urbana marginalizada, como os moradores das periferias que em sua maioria são pretos e pobres.
Na última década, em todo o mundo, habitantes dessas regiões morreram 15 vezes mais pelas secas, enchentes e tempestades do que aqueles que vivem em áreas seguras.
“Inundações e desmoronamentos de terras são problemas muito sérios e a gente sabe que essas populações não estão lá porque querem, mas por necessidade. A gente precisa mudar. Pensar nas soluções ambientais não é só um fardo meu ou da juventude, mas de todos, porque vivemos em coletividade”, aponta.
A ativista observa que, no caso da Ilha do Bororé, os moradores não pagam energia por viverem em área de manancial e as pessoas não têm acesso a saneamento, então os canos de esgoto acabam indo parar nas nascentes.
Outra questão recorrente entre os visitantes é a construção de uma ponte, ao invés da balsa. Nos fins de semana, a população chega a ficar 2 horas no trânsito para fazer a travessia, mas Karoline aponta que os moradores locais resistem a essa construção justamente em prol da preservação do meio ambiente. “O acesso seria mais fácil e teriam muitas outras moradias irregulares”, teme Karoline.
Online e impresso
Para conscientizar os moradores locais, os conteúdos produzidos pela agência são via digital por meio das redes sociais e o meio impresso, com folhetins espalhados em quatro pontos-chaves da Ilha: o posto de saúde, a Casa Ecoativa, a creche e a escola Adrião.
Além das dicas de como construir fossas e minhocários, a informativa também fala sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas).
“A gente almeja que as pessoas descubram a potência que o nosso território é. O quanto ele é rico, principalmente na conservação ambiental, e que as pessoas conheçam a história”, conta Isabela Alves Aguiar, 15, estudante e também participa do projeto.
Ao chegar na Ilha do Bororé é possível ver nos muros um memorial a céu aberto com pinturas que contam a história dos primeiros moradores, curiosidades da Represa Billings e dos povos originários que habitavam a região antigamente.
Com isso, eles também buscam conscientizar sobre o conceito de patrimônio, que de modo geral, se refere a bens de grande valor para pessoas de uma comunidade.
No caso do território, a população reconhece como um patrimônio a ser preservado a Represa Billings que está ao entorno, a fruta do cambuci que é típica da região e a Igreja da Comunidade São Sebastião do Bororé e Cruzeiro, que existe desde 1904.
A estudante Ellen Aparecida, 16, que também trabalha na agência, relata que estar na linha de frente é passar a informação para as pessoas que estão dentro e de fora. “Existe muito preconceito com quem é do Grajaú com as pessoas que vivem aqui, mas aos poucos estamos conseguindo desmistificar isso”.
Um reconhecimento importante para a comunidade foi ter sido convidada a participar da 13ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2023, com a exposição “Ilha em mim”, que trouxe narrativas construídas coletivamente sobre o território e suas expressões.
Outra conquista foi que, no ano passado, a Agência foi contemplada no edital “Chama na Solução – Mudanças Climáticas” da UNICEF (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância) para continuar a mapear e denunciar os impactos socioambientais, produzir conteúdos informativos e promover formações abertas à comunidade sobre práticas de reciclagem e consciência ambiental.
O antirracismo e a luta dentro do território
A população negra compõe a maioria na sociedade brasileira (56%), de acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), proporção semelhante a vista no distrito do Grajaú. No entanto, essa população não está representada nos espaços de poder e essa situação de também se estende a representatividade de ativistas ambientais negros.
Sendo uma ativista jovem, negra e nascida na periferia, Karoline afirma ainda enxerga dificuldades de ocupar esse debate.
‘As populações que vivem nas periferias geralmente não são escutadas e a gente quer ter a nossa opinião sobre as decisões que são tomadas’
“São diversos os projetos ambientais que são criados por pessoas negras, mas acabam não indo para frente pela falta de investimento”, ressalta.
A ativista aponta como solução que grandes projetos apoiem os menores. A ativista se inspira também em outras vivências que são de periferia, como a Agência Solano Trindade e a Aldeia Guarani Kalipety na Barragem.
“Eles me mostram que é possível construir um novo mundo. Um mundo possível com as nossas vivências”, diz Karoline. A ativista também faz palestras em escolas no Grajaú para falar sobre sustentabilidade e anti racismo, além de guiar visitas com estudantes da região na Ilha.
Para conhecer o trabalho da Agência Na Ilha, acesse: https://www.instagram.com/nailha.agencia/
*A série “Periferias e Justiça Climática: alternativas ambientais para os nossos” foi produzida com apoio do ICFJ (International Center for Journalists).