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‘Medo, insegurança e ansiedade’, agentes de saúde relatam mudança de rotina na pandemia

Por: Lucas Veloso e Giacomo Vicenzo

O técnico de enfermagem Alberto*, 43, atende em uma rede de saúde da zona leste e mora em Itaquera. Com um filho de quatro meses, o receio de entrar em casa é uma realidade presente todos os dias ao chegar do trabalho. “Sempre espero pelo menos umas duas horas antes de pegar o bebê no colo”, comenta. 

A situação ficou mais difícil desde o início da pandemia por conta do novo coronavírus, que tem afetado além dos pacientes e familiares que vivem a angústia da doença, os profissionais da saúde que convivem com a tensão no dia a dia e também ao chegar em casa.

“Nunca tive tanto de medo de ir trabalhar. No hospital há 12 leitos com pacientes com suspeita de coronavírus. Os mais velhos estão com quadros mais graves”, ressalta.

No Grajaú, zona sul da cidade, a enfermeira Cátia*, 31, também afirma que as últimas semanas no trabalho têm sido ‘pesadas’. “Estou bem tensa. A gente trabalhando cada vez mais, com menos equipamentos de qualidade”, comenta. “Por exemplo, se eu fico doente, quem cuida dessas pessoas?”. 

Cerca de 69% dos trabalhadores da área da saúde no Brasil não receberam treinamento para atender pacientes com suspeita de coronavírus, seguindo os protocolos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da OMS (Organização Mundial da Saúde). 

O número faz parte de levantamento feito pela ISP (Internacional dos Serviços Públicos), parte da campanha “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”. 

Os dados foram coletados por meio de um formulário eletrônico entre profissionais de saúde e de serviços públicos, entre os dias dia 27 de março e 21 de abril. O total de respostas contabilizados somam número de 1.794 respostas no país inteiro. 

Profissionais da saúde viveram mudança na rotina @Magno Borges/Agência Mural

MUDANÇA NA ROTINA

A médica Sayuri Kinchoko atende em uma UBS na Penha, na zona leste. Ela conta que o medo existe, mas a presença de materiais de proteção como óculos e máscara faz com que ela trabalhe tranquila. “Já na minha vida pessoal mudou tudo. De tudo o que mais sinto falta é do meu filho. Nunca fiquei tanto tempo sem ver meu filho, sem poder abraçar”, lamenta.

Na rotina de Alberto, a mudança veio também com relação a renda. Ele complementava o orçamento ao fazer corridas por aplicativos, mas pela baixa demanda e a tensão no trabalho, parou com a atividade extra.

A falta de material também é uma realidade. Ele reclama pela falta de aventais impermeáveis disponíveis. 

O último boletim da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo aponta que  3.106 profissionais da saúde estão afastados por conta do coronavírus, sendo 2.354 com síndrome gripal e 713 confirmados. Houve também 13 óbitos de profissionais da saúde devido a complicações da Covid-19. 

Cátia relata a situação enfrentada dentro da unidade básica em que atua na zona sul, onde diz haver confusão de atendimentos, pois são ‘muitos procedimentos ao mesmo tempo’. 

“Chegam pessoas que têm sintomas leves e graves, mas que muitas vezes não sabem a diferença. Aí tem gente que indica repouso, e eles não nos ouvem, querem fazer teste, mas a gente não pode testar todo mundo também”, comenta a enfermeira.

Ela diz que pacientes que deveriam ser testadas, acabam ignoradas. Outra preocupação é a precariedade nos materiais de segurança. “Temos um medo constante de lidar com as pessoas usando as máscaras e equipamentos ruins que temos nesta pandemia”. 

A médica Sayuri também relata confusão nos atendimentos. “Em relação aos pacientes que chegam com a síndrome gripal, é muito comum nesta época do ano. O que a gente vê muito são as pessoas confundindo a falta de ar que é causada pelo coronavírus com a falta de ar que é causada pela síndrome do pânico”, comenta Kinchoko. “ Tenho recebido muitos pacientes com crise de ansiedade”. 

Sayuri visitou, nas últimas semanas, pacientes que testaram positivo para Covid-19 no entorno da UBS que trabalha e relatou falta de cuidado dos moradores em uma das residências. “O pessoal não se importava muito em se proteger, entravam e saíam da casa. Pareciam não estar ligando muito para isso, sabe?”. 

Ela diz que chegou a explicar a uma paciente que, mesmo sem sintomas, ela poderia estar portando o vírus e contaminar outras pessoas, inclusive no transporte público.

PROIBIDOS DE FALAR

Para escrever essa matéria, a Agência Mural falou com dezenas de profissionais de saúde que atendem nas periferias de São Paulo, mas o receio da demissão e o medo da identificação foram o motivo de não aceitarem dar entrevistas, inclusive de forma anônima.

Uma das fontes procuradas respondeu que a empresa terceirizada, que atua em unidades da zona sul da cidade, havia proibido. “Queria poder ajudar, mas tivemos reunião semana passada sobre isso e a empresa não permite entrevistas, relatos que relacionem a nossa função”, comentou. 

Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde disse em nota que dobrou, em março, a aquisição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e materiais hospitalares. Também respondeu que as unidades de saúde do Governo do Estado estão abastecidas com mais de 88,6 milhões de itens desse tipo, com foco na prevenção dos profissionais de saúde e assistência com qualidade aos pacientes.

Afirma também que toda a rede tem recebido orientações por webconferências e documentos técnicos de proteção e atendimento, amparados nas diretrizes do Ministério da Saúde e da Anvisa.

A Secretaria Municipal de Saúde não se posicionou sobre a reclamação da falta de equipamentos de segurança e sobre a proibição de entrevista aos servidores.

*À pedido dos entrevistados, os nomes foram trocados

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