Você sabia que alguns bairros no Jardim Ângela receberam o nome de “Riviera” porque eles eram um espaço de lazer para quem visitava a Represa do Guarapiranga? Ou que Santo Dias, que dá nome ao principal parque do Capão Redondo, foi um operário militante que foi assassinado pela polícia durante a ditadura?
Essas são algumas das histórias contadas pelos estudantes de Letras Saulo Vilanova, 22, e Lucas Leonel, 23, no podcast “Memórias Quebradas”, produzido por eles em parceria com o Centro de Memórias das Lutas Populares Ana Dias.
No programa, Saulo e Lucas passeiam pela história dos dois distritos citados no começo do texto, o Jardim Ângela e o Capão Redondo, ambos no extremo sul de São Paulo.
“Sou nascido e criado aqui no Jardim Ângela e sempre fui muito curioso. Eu via muito nome de estrada, M’Boi Mirim, bairro não sei o que, nome de alguém nas ruas e nunca sabia quem era ou o que fez. O que me despertou isso foi a participação em movimentos”, conta Saulo.
Ele começou a ter contato com a história do distrito onde mora por meio do cursinho popular que frequentou antes de ingressar na universidade, a Rede Ubuntu. “Lá existe um trabalho que fala sobre a valorização da história daqui e isso dava um sentimento de pertencimento à essa região. A gente tem uma história, uma caminhada que ninguém conta”.
Lucas é da Vila da Paz, na região da Cidade Dutra, também zona sul da capital. Apesar de não estar geograficamente ligado aos territórios pesquisados, ele conta que sempre teve interesse em resgatar, por meio de conversas com pessoas mais velhas, como eram os bairros e como foram conquistados aqueles espaços.
“Quando veio essa ideia de lidar com a história dessas outras lutas (do Ângela e do Capão Redondo), já estava bastante relacionado com as coisas que a gente já fazia e os interesses que a gente tinha naturalmente”, afirma.
Saulo e Lucas foram entrevistados pelo Próxima Parada, podcast da Agência Mural
Tanto Saulo quanto Lucas são alunos de Letras na USP (Universidade de São Paulo), que financiou o projeto por meio do Programa Unificado de Bolsas.
O programa tem o objetivo de engajar os graduandos em atividades de investigação científica e é voltado apenas para os inscritos no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil, voltado aos alunos “com dificuldades socioeconômicas para se manter na universidade”.
O projeto inicial previa a produção de algum produto audiovisual sobre o tema pesquisado, e o podcast surgiu como possibilidade por, na concepção deles, ser o mais acessível ao público das periferias, que eles queriam alcançar.
“Foi uma parada muito nova para nós, a parte mais operacional foi a gente que fez, ter que aprender a mexer com o programa, fazer a edição de áudio”, relembra Saulo, que acrescentou que a parte de pesquisa sobre a história dos territórios foi igualmente complexa.
“A gente foi juntando coisas, pegando materiais que já existiam, vendo hipóteses. Não queremos falar que é um trampo de historiador porque não foi, mas envolveu muito estudo sobre a história mesmo”, ressalta.
Ao todo, a primeira temporada conta com dez episódios em que os dois estudantes conversam sobre as origens dessas regiões e sobre como elas se tornaram os bairros que são hoje.
Além de todo o contexto histórico da região, puxado desde a colonização até os investimentos mais recentes em transporte público, Saulo e Lucas dão bastante destaque aos fenômenos culturais. Segundo eles, “a forma mais forte de se construir uma memória”.
“Se eu for falar do meu território, não vou falar apenas que eu moro no Ângela, no Capão. Vou falar que é o lugar onde está a Cooperifa, onde surgiu os Racionais, o Trilha Sonora do Gueto, a 1 da Sul, onde o Ferréz foi criado e mora até hoje, tá ligado? Eu acho que isso tudo faz parte do reconhecimento”.
Para a segunda temporada, que ainda não tem previsão de estreia, Lucas e Saulo terão o reforço da também estudante de Letras, Vitória Viana, do Capão Redondo. A proposta para esses novos episódios é entrevistar e contar de forma individualizada a história de movimentos históricos da região, como os clubes de mães e a Sociedade Santos Mártires.
Com o avanço do podcast, eles apontam que contar a história dos bairros do fundão da sul tem uma responsabilidade, ao levar a informação para os moradores e também se tornar uma ferramenta de registro para pesquisadores.
“O podcast tem essa função de disseminar essas memórias, mas também é uma forma de memória. Que outros lugares vai ter tanta informação sobre o território como a gente colocou, unificado?”, questiona Saulo.