Após meses de proibição por conta da pandemia de Covid-19, as academias podem voltar a funcionar parcialmente a partir desta segunda-feira (13) no município de São Paulo. No entanto, muito antes da liberação, moradores já têm ido às academias de bairros da capital, mesmo na fase mais grave da crise.
Com a flexibilização, os estabelecimentos poderão funcionar, mas com limitação de seis horas por dia e com apenas 30% da capacidade, além de seguir protocolos, como medir a temperatura dos alunos na entrada, uso de máscara obrigatório, disponibilizar álcool em gel 70% e manter a distância de dois metros entre os frequentadores.
Os treinos terão de ser agendados e a ação será permitida em cidades que estão na fase amarela da quarentena.
A reabertura tem causado preocupação sobre os riscos nesse momento da pandemia na capital. Na prática, porém, muitos já voltaram aos treinos. Desde maio, Arnaldo*,34, que mora em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, tem frequentado de forma clandestina um estabelecimento da região que recebia os frequentadores de portas fechadas.
“Tinha parado, mas quando soube que tinha a possibilidade de voltar a treinar nesse local, voltei. Esse é um esporte muito ingrato, se paramos, perdemos muito [massa muscular]”, comenta.
Apesar de viver com uma pessoa do grupo de risco, Arnaldo frequentou a academia diariamente por dois meses e tentava se proteger com o uso de máscara. No entanto, admite que nem todos os frequentadores também usavam e não havia álcool em gel fornecido pelo estabelecimento.
“Moro com minha avó que tem 74 anos, então estou tomando cuidado, usando álcool em gel sempre. Tenho evitado o contato com ela nesse período, não abraço, nem beijo”, comenta Arnaldo.
A realidade das academias é semelhante a outros setores que mantiveram atividades, mesmo no isolamento. Alguns por conta da necessidade de renda nesse período, caso de algumas dessas academias que mantiveram despesas como os alugueis.
Quem também não conseguiu ficar longe dos treinos foi Maurício*, 25, que chegou a ir a outro bairro da zona leste para fazer atividades físicas e depois encontrou uma academia aberta, também em Cidade Tiradentes onde vive.
Maurício não pode ficar isolado em nenhum momento da quarentena, pois seu trabalho seguiu normalmente durante a pandemia.
“Medo do contágio eu tenho, mas faço o máximo para me prevenir”, afirma. “Não quero ficar sem treinar. Saio na rua praticamente todo santo dia e isso me deixa mais vulnerável, é um risco que preciso correr para pagar as minhas contas”.
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Com as luzes da entrada apagadas e meia porta aberta, as academias que Maurício frequentou mantinham esse aspecto no geral. “As janelas estavam sempre abertas e além de mim ficavam no máximo 10 pessoas, a maioria de máscara e academia dava álcool em gel”, comenta Maurício.
Apesar de passar álcool nas mãos com frequência nos treinos que fazia nesses estabelecimentos, Maurício afirma que preferia não usar máscara
“É ruim treinar de máscara, então eu uso só na rua. Não vejo necessidade de usar na academia, até porque se o vírus tiver lá, com ou sem máscara vou pegar, essa é minha opinião”, diz Maurício.
Para o médico infectologista Argus Leão Araújo academias que abriram de forma clandestina podem levantar a preocupação da ocorrência de focos de transmissão.
“Esses locais funcionavam com a ausência de garantias de abertura seguindo as novas determinações recomendadas pelas autoridades sanitárias”, comenta Araújo.
O infectologista também alerta que academias oferecem considerável risco de transmissão de doenças respiratórias, incluindo a Covid-19, por se tratar de espaço de convívio social.
“Desde que respeitadas as medidas citadas, o contágio será minimizado, mas é impossível eliminar por completo as chances, pode existir transmissão por pessoas que ainda não apresentam sintomas, dentro do período de incubação”, explica o médico.
Maurício mora com os pais e é o único de sua casa que está no grupo de risco, sofre de asma e rinite, ainda assim, preferiu não ficar longe dos treinos, mesmo admitindo que o risco do contágio possa existir.
Doutora em psicologia social e institucional pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Helen Barbosa dos Santos aponta que além da falta do maquinário para treinar em casa, essas pessoas que escolhem ir à academia, também passam pela questão do pertencimento a um grupo.
“Existe a necessidade de pertencimento a um grupo mesmo que sem interação direta, compartilham um mesmo ideal, objetivo, ação”, comenta Santos. “Não estar em interações sociais de ver o corpo do outro em movimento e estar num território outro para além da casa pode trazer sofrimento emocional forte”
Para psicóloga a ideia de ver os memes de quarentena nas redes sociais, que fazem piadas com tom constantes de gordofobia, também é um incentivo a mais para que essas pessoas busquem voltar o quanto antes para esses espaços de cuidado com o corpo.
“Há uma lógica gordofóbica reproduzida nas mídias sociais. Isso explica o porquê os influenciadores famosos geralmente são ligados ao corpo fitness, alimentação saudável, essas coisas”, comenta.
*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados