Todos os dias a analista de marketing Karina Pandolfo, 27, leva três horas para sair de sua casa, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, até seu trabalho, na Vila Olímpia, na zona sul. E ela não está sozinha. A zona leste lidera o ranking do tempo gasto para realizar todos os deslocamentos diários: são 3h26.
Os dados são da Pesquisa de Mobilidade Urbana 2017, da Rede Nossa São Paulo, que mostra que o morador da zona sul é o segundo que mais gasta tempo no vai-vém (3h), seguido da zona norte (2h34) e do centro (2h22). A menor média fica com a zona oeste (2h13).
No caso de Karina, para completar o trajeto, ela usa duas linhas do metrô e uma da CPTM. “Gasto três horas, mas isso sem trânsito e sem problemas no transporte”, conta.
Para ela, um dos maiores transtornos é não poder usar esse tempo para o lazer. “Perco tanto tempo em deslocamento que deixo de praticar outras atividades, como ver a família”.
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A ausência de empregos na região leste e o processo de deslocamento do centro financeiro da cidade, que se concentrava na avenida Paulista, é uma das possíveis explicações para o fenômeno, segundo o professor Cândido Malta, da FAU USP. Atualmente, essa expansão se direciona cada vez mais para zona sul, ao redor da Marginal Pinheiros e das avenidas Luiz Carlos Berrini e Faria Lima.
Para Malta, esse processo poderia se reverter com a implementação do projeto “Arco do Futuro”, plano da gestão Fernando Haddad que visava a realização de obras de infraestrutura e de concessões de incentivos fiscais para empresas que se instalassem ao redor da Marginal Tietê e da avenida Jacú-Pêssego, nos distritos da Penha, Ermelino Matarazzo, São Miguel e Itaquera.
Este ano porém, sob a gestão do prefeito João Doria, o plano foi enterrado. Em seu lugar, a prefeitura priorizou a realização do “Arco Jurubatuba”, com o objetivo incentivar a expansão do centro econômico para o sul da cidade, da Berrini até a região do Autódromo de Interlagos, deixando os empregos ainda mais distantes da zona leste.
“Na verdade o Arco do Futuro de Haddad previu vários ‘sub-arcos’ no Plano Diretor. O Arco Jurubatuba também foi previsto, só não era prioritário. Os dois previstos por Haddad [Tietê e Tamanduateí] estavam mais próximos da zona leste e por isso beneficiaram mais seus moradores, carentes de emprego”, diz.
“Se o Arco Tietê, seguindo os trilhos da CPTM para a zona leste e região metropolitana, tivesse sido priorizado, aí ela seria realmente beneficiada por maior oferta de empregos”, completa o professor.
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Já a ativista Ana Carolina Nunes, do coletivo SampaPé, defende que a saturação do sistema de transporte na região leste ajuda no aumento do tempo de deslocamento.
“Precisaríamos buscar alternativas. A mobilidade ativa poderia ser mais incentivada com bicicletário em todas as estações de metrô e trem, num panorama onde a malha cicloviária de fato se estendesse”, afirma.
“E também a mobilidade a pé: se as rotas de acesso às estações e aos terminais fossem seguras, melhor sinalizadas e iluminadas, talvez menos pessoas usassem carro e ônibus para acessá-los. Mas não se pensa em microacessibilidade nos extremos da cidade”, conclui.