Fiquei sabendo hoje (17) por meio do Instagram da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã sobre a morte da Preta Jaya. Meses atrás recebi na minha casa o livro “Fala Carolinas! Mulheres na luta por vida e dignidade”, onde conheci um pouco da trajetória dela e me identifiquei com algumas passagens.
Assim como eu, Preta Jaya nasceu e cresceu na zona norte de São Paulo. Ela, no bairro do Jardim Brasil, eu cresci na Vila Medeiros. Ela tinha 36 anos de idade, eu tenho 38. A encontrei poucas vezes pessoalmente em alguns encontros relacionados à cultura na zona norte onde ela atuou.
O nome de registro dela era Angélica Ferreira Paim. Eu também tenho o Ferreira entre os meus sobrenomes, também vindo da família materna.
Angélica teve três nomes. Depois do nome da certidão, ela fez a primeira mudança para Vijaya Prem, recebido numa linha espiritual de tantra feminino. Vijaya vem do sânscrito e significa vitória.
Ao se mudar com o companheiro Emmy e os dois filhos, Miguel e Ravi, para a cidade de São Tomé das Letras (MG), a primeira sílaba caiu e Vijaya se transformou em Jaya. Lá, ela e o companheiro construíram um ponto de cultura independente chamado Santo Quilombo.
O Preta na frente do nome veio depois para honrar as origens. Ela é uma entre tantas mulheres periféricas que só se reconheceu como negra durante a vida adulta, quando passou a adquirir consciência e conhecimento sobre a cultura ancestral.
Preta Jaya era uma mulher espiritualizada e se interessava pela saúde e pelo cuidado. Passou por três cesáreas. O primeiro filho dela morreu aos seis anos de idade em 2008 e hoje teria 19 anos.
No segundo parto, sofreu violência obstétrica. No terceiro, cedeu à pressão do médico do posto de saúde e passou por um procedimento de laqueadura aos 27 anos. Depois de cinco anos, ela entendeu esta situação como contenção da reprodução de mulheres pobres.
Ela estudou e estagiou como técnica de enfermagem, depois fez formações em terapias holísticas. Juntou esses conhecimentos prévios com mais uma formação, agora como doula.
Mas ela só se encontrou como ‘parteira curiosa’ depois que conheceu Dona Flor do Moinho, uma mulher parteira, preta quilombola que vivia na cidade de Alto Paraíso (GO). Também viajou para o Nordeste, onde conheceu outras parteiras.
Preta atuou mais de seis anos ‘pegando menino’, como dizia sobre o trabalho. Era também conselheira do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) lá onde morava, em São Tomé das Letras.
Numa última viagem para exercer o ofício de ajudar uma mãe a dar a luz na cidade de Paraty (RJ), Preta Jaya passou mal, foi levada dias atrás para um hospital onde morreu nesta sexta-feira (17).
“Jaya é uma mulher de revolução prática. Nos ensinou sobre colheita e união, empatia e alteridade. Jaya é preservadora na memória ancestral, uma mulher de união e força que transformou a vida de todos por quem passou’, publicou a página da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã.
“Preta Jaya foi responsável por trazer a esse mundo muito dos nosso, com carinho, naturalidade, paixão pelo que fazia. Fundadora de Quilombo, auxiliava nos partos da comunidade”, afirmou a vereadora Erika Hilton (PSOL).
O corpo de Preta Jaya está em Cabo Frio e será cremado em Paraty.
A família tem pedido apoio para custear a cremação e também apoiar as crianças. Estão recebendo doações pelo PIX em nome do companheiro dela, o Emmy Cultura dos Tambores. O nome dele é Marcílio de Souza Almeida. marcilio.edu@gmail.com Banco Neon. PIX: CPF 05229710675