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Segundo maior pico de SP, Morro do Cruzeiro vive dilema entre preservação ambiental e habitação

Por: Matheus Oliveira

“Na minha mentalidade de criança, o sol nascia atrás do morro. Eu via o sol nascendo e falava: ‘moro onde o sol nasce’”, relembra o professor de história da rede pública Pedro Caranicolov, hoje com 51 anos. “Aí quando nós subimos de manhã fiquei decepcionado, porque o sol estava nascendo lá no mar”, completa Pedro.

O local a que ele se refere é o Morro do Cruzeiro, segundo maior pico da cidade com 990 metros de altura em relação ao nível do mar, localizado no limite entre as cidades de São Paulo e Mauá, no Jardim Santo André, na zona leste. O Pico do Jaraguá é o primeiro, com 1.135 metros.

A atual decepção de Caranicolov continua sendo o Morro do Cruzeiro, não mais por conta do sol. Há 12 anos está prometido um parque municipal na região, e nesse tempo, sem a implementação, ocupações irregulares avançaram sobre o terreno.

Pedro e Fátima lutam pela instalação do parque no Morro do Cruzeiro @Matheus Oliveira / Agência Mural

“Aqui não pode construir por conta do nível do solo. É importante passar isso para a comunidade, porque às vezes podem achar que a gente está contra moradia, mas é preciso entender que há lugares que não são propícios [para habitação]”, argumenta a professora de geografia Fátima Magalhães, 54, uma das primeiras moradoras do bairro e defensora da criação do parque.

Há pelo menos 20 anos, Pedro e Fátima articulam ações em defesa do Morro do Cruzeiro. Fátima, por exemplo, criou a associação SOS Morro do Cruzeiro onde organiza caminhadas com estudantes ao pico do morro e reuniões com representantes políticos em prol do parque.

Enquanto aguardam a definição sobre o parque, os moradores juntaram cerca de 2.000 assinaturas em um abaixo-assinado, entregue em 2016 à prefeitura. Desde então, atividades de reflorestamento também foram feitas pela população local.

ORIGEM INDÍGENA

A fundação do Jardim Santo André se deu em 1966 com a venda de lotes para trabalhadores das indústrias do ABC, em sua maioria migrantes nordestinos. Mesmo antes da chegada dos atuais moradores, o Morro do Cruzeiro já era conhecido.

Presente no mapa topográfico da cidade de São Paulo de 1930, o morro já teve o nome de Votussununga, dado pela população indígena que ali viveu. Segundo Pedro, Votussununga significa, em tupi-guarani, “morro onde o vento assopra”, em referência à maresia que chega da Serra do Mar.

A construção do Jardim Santo André se deu na parte ‘de frente do morro’, virado para o centro da cidade de São Paulo. Na frente oeste, de trás para a capital, está o bairro do Morro do Sabão, no limite com Mauá.

“De família”

Com 12 anos, o agricultor Manoel Santos Oliveira, 51, veio com a família de Vitória da Conquista, na Bahia, para o Morro do Cruzeiro. O pai de Manoel junto com outros parentes tinham uma olaria no terreno, onde produziam tijolos e telhas para as casas do bairro Jardim Santo André.

Hoje, com o pai falecido, Manoel cuida do terreno, na encosta oeste do morro, onde planta coentro, laranja, cebola, goiaba, banana, mandioca, milho e às vezes cria gado e galinhas.

O morador argumenta que cede a chácara apenas para a construção do parque. “Se tiver que sair eu tô de acordo em sair, mas só saio daqui se for um parque. Se for um particular, não vendo. Porque o parque é de todo mundo e eu posso vir a hora que eu quiser”, diz.

A família de Manoel mora no Morro do Cruzeiro desde os anos 1970. Hoje o morador planta e cria animais na área @Matheus Oliveira / Agência Mural

“Eu mesmo não queria nem vender, mas se é obrigado eu sair e me derem um canto para mim eu saio. Aí o morrão fica para vocês, porque o sonho do meu pai era ver isso aqui bonito”, completa.

Já no lado leste do morro, no bairro do Morro do Sabão, vive o gesseiro Adeilton Silva Gonçalves, 44. Vindo da cidade de Jequié, também da Bahia, ele mora na região há 17 anos com a esposa e a filha. De acordo com o gesseiro, ele foi contratado para cuidar de uma antena que existia no terreno.

“Eu acredito que seja ocupação. Ele [antigo patrão] fala que tem documento. Mas me largou aqui desde 2013 e não me pagou mais nada”, afirma Adeilton. A casa do gesseiro não tem água encanada, esgoto e correio. Um caminhão-pipa abastece a caixa d’água e a luz é por gato.

Adeilton conta que quando chegou no Morro do Cruzeiro era o único morador. Agora as ocupações recentes avançam na Avenida Cidade de Mauá e na Rua da Bica, áreas reservadas para a implantação do parque municipal.

Casas ocupam a encosta do Morro do Cruzeiro no bairro Morro do Sabão @Matheus Oliveira / Agência Mural

Em agosto de 2022, a prefeitura instalou uma placa informativa sobre a construção do parque no terreno onde Adeilton vive. O morador apoia a preservação, mas gostaria de ficar no local. “Por mim eu preferia que eles me deixassem aqui, até diminuíssem o terreno, mas me deixassem aqui”, afirma.

A diarista Gisele Cardoso, 39, frequenta o Morro do Cruzeiro desde criança e é favorável à instalação do parque. “Se tivesse brinquedos, fiscalização e guias eu acho que seria ótimo. Seria mais visitado. Por mais que seja um lugar histórico no Jardim Santo André, o ponto mais alto, é pouco visitado”, opina.

Gisele visita o Morro do Cruzeiro várias vezes ao ano com as duas filhas. No alto a família faz piquenique, brinca e ora.

A diarista também defende a permanência dos moradores na região. “Eles acabam preservando e fazem parte da história da torre. São pessoas do bem que protegem, querendo ou não, o local. Eu mesma se pudesse moraria aqui”, comenta.

Vontade política

Em 2011, o então prefeito Gilberto Kassab (PSD), decretou a criação do parque Morro do Cruzeiro com 6.388,79m². De acordo com o texto do decreto, a área foi cedida pela Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). Em 2016, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) tombou o Morro do Cruzeiro como patrimônio ambiental da cidade.

Para o cientista político e integrante do CEP (Centro de Estudos Periféricos), Jhonatan Souto, é necessário levar em consideração as pessoas na pauta ambiental.

“As populações mais vulneráveis do ponto de vista ambiental são as pessoas negras e pessoas periféricas, por não terem meios de se proteger”

Jhonatan Souto, cientista político

Especialista na questão de moradia nas periferias, Jhonatan enxerga um desinteresse na preservação ambiental nas regiões distantes da cidade. “A experiência do Morro do Cruzeiro vai nesse sentido tanto na questão da qualidade de vida pelo ponto de vista da preservação da natureza, mas também pela moradia”, argumenta.

“A gente está pensando sempre em como salvar o planeta e eu acho que é importante incluir nesse debate também como que a gente consegue salvar as pessoas”, indica Souto.

Rua que leva ao pico do Morro do Cruzeiro @Matheus Oliveira / Agência Mural

De acordo com a secretaria do Verde e do Meio Ambiente da capital, “[Foram instaladas] 14 placas de interpretação dos atributos ambientais relevantes, e 24 de demarcação. A trilha criada no local já atende escolas. Já foram também elaborados projetos técnicos de arquitetura e urbanismo no espaço”. Porém, em relação ao parque, não há uma previsão para entrega.

Sobre a retirada dos moradores com casas no terreno do futuro parque, a secretaria afirma que “os proprietários serão indenizados por meio de acordo judicial”.

Para a professora de geografia Fátima, a luta pelo parque vale o esforço. “Sinto que nem tudo foi em vão porque acho que se não tivesse essa movimentação não teria esse impacto da comunidade se unir”, afirma.

O historiador Pedro destaca que o Parque do Morro do Cruzeiro tem um sentido de autoestima para os moradores. ”Lá em cima as pessoas procuram a região onde moram. Eles enxergam além do horizonte. Tem essa sensação de pertencimento. Lá você reina soberano porque tem São Paulo inteira aos seus pés”, finaliza.

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