“Dirigidor Legal” é o perfil nas redes sociais de Guilherme Bittencout, 41, morador da Vila Prudente, na zona leste de São Paulo. Ele trabalha como motorista de ônibus há 13 anos e durante a pandemia de Covid-19 começou a publicar vídeos com histórias e curiosidades relacionadas ao seu cotidiano no transporte público da capital.
Com um jeito de falar simpático e bem humorado, Guilherme conquistou a internet. São cerca de 200 mil seguidores no TikTok, 41 mil no Instagram e mais de 30 mil no Kwai. Para esse público que o segue, ele busca destacar os bons profissionais e derrubar a imagem do motorista de ônibus mal educado e carrancudo.
“Queria ajudar aquele funcionário que não é visto. Têm uns caras que se destacam muito e eu queria fazer um vídeo com eles e tornar o motorista de ônibus mais humano, mostrar que a gente está ali no dia a dia das pessoas”, diz.
Os primeiros vídeos do motorista eram sobre a rotina da garagem, como um diário, pensados para o YouTube. Só que não houve muitas visualizações. Depois, para acompanhar as publicações do também motorista e tiktoker Matheus Kafica, Guilherme baixou o aplicativo e resolveu apostar na plataforma sem nenhuma pretensão.
“Comecei a postar [vídeos] trocando o carro, esperando socorro [no TikTok]. E começou a dar views [visualizações]. Um único vídeo que lancei já teve 15 mil. Eu falei: ‘caramba'”, relembra.
Além de gravar detalhes sobre garagem e o setor da manutenção dos ônibus, veio a ideia de tirar dúvidas dos seguidores. “A galera começou a fazer perguntas, eu comecei a responder, dentro do ônibus. Não imaginava que eu ia pegar esse público.”
Interação com o público
Até abril deste ano, Guilherme trabalhou como motorista reserva das linhas de ônibus noturnas da cidade de São Paulo. Começava a se arrumar para trabalhar às 22h, pegava a moto e seguia para a garagem da cooperativa Metrópole Paulista, no Brás, centro. Chegava às 22h30, já uniformizado, cumprimentava os colegas e dizia que estaria no “carro”, como os pilotos das cooperativas chamam os ônibus.
No intervalo de 30 minutos para sair da garagem, Guilherme desbloqueava o celular e lia as perguntas enviadas pelos seguidores. Aparecia de todos os tipos: pedidos de histórias, perguntas técnicas e curiosidades sobre a condução dos ônibus. Sem roteiro, e com uma postura de corpo fixa, Guilherme ligava a câmera e começava a gravar.
Atualmente, ele é motorista reserva das linhas diurnas, atuando quando algum motorista falta ou está de férias. A mudança de horário foi um pedido de Guilherme para aproveitar melhor o dia.E os vídeos que produz seguem com a mesma proposta.
Agora, começa o trabalho entre 4h e 4h30 e varia de linha. Os trajetos que pega passam pelo centro, zonas leste e oeste: Parque Dom Pedro – Terminal Pinheiros; Parque Dom Pedro – Penha; Parque Dom Pedro – Butantã; e Parque Dom Pedro – Aricanduva.
Além dos 15 segundos
Normalmente, os vídeos para as redes sociais duram poucos segundos, mas a história de Guilherme com o busão levaria uma quantidade incalculável de postagens. Ele conta que o pai, Vander Silva, falecido há três anos, o levava para o trabalho.
Vander era motorista de ônibus da antiga CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos). O pequeno Guilherme o acompanhava no trânsito e como recompensa ganhava coxinhas e refrigerante nos intervalos. A brincadeira de criança era se imaginar como motorista de ônibus.
“Quando chegava no ponto final ele [pai] me colocava lá no volante. E cara, eu ficava fascinado. Lembro que ia para a feira com a minha mãe e fingia que estava dirigindo”
Demorou um pouco, mas o sonho de criança se concretizou. Depois de trabalhar em uma rede de fast food e em uma barraca da feira, Vander levou o currículo do filho na cooperativa de ônibus. E deu certo. Guilherme começou como cobrador, onde chegou a trabalhar com o pai, passou para motorista de pátio e hoje está há 13 anos na função.
Apesar do prazer em dividir conhecimentos e responder perguntas específicas de busólogos – os apaixonados por ônibus -, o dinheiro com os vídeos ainda é curto.
Para complementar a renda, Guilherme trabalha como motoboy em aplicativos de entrega de comida. Alguns motofretistas e clientes já chegaram a reconhecê-lo dos vídeos da internet. Os passageiros do ônibus, seja por pressa ou desatenção, pouco o reconhecem na rua.
Trabalha para sustentar a vida na Vila Prudente com a esposa e uma enteada. Ele também tem outros planos para o futuro, sem abrir mão das raízes.
“Nunca tive vergonha do que faço, sabe? Tô lutando por uma condição financeira melhor e não tenho preguiça de trabalhar. Não vejo problema nenhum”, ressalta.
“Obviamente que se o Instagram, o Kwai começar a me dar um dinheiro a ponto de largar [o trabalho como motoboy], eu largo”, garante. Mas larga apenas uma parte: “o ônibus não.”