“Quando uma mulher sofre violência doméstica aqui, ela precisa ir para outra região porque não temos um local apropriado que priorize o atendimento,” lamenta Maria Lúcia da Silva, 53, moradora do Jabaquara, na zona sul da capital paulista.
A distância, explica a enfermeira, é um dos principais problemas quando o assunto é a busca por atendimento especializado. Tudo porque as unidades mais próximas, o Centro de Referência à Mulher (CRM) Casa Eliane de Grammont, e a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) mais próximas ficam, respectivamente, na Vila Mariana (zona sul), e em Diadema, no Grande ABC.
Os CRMs oferecem às mulheres em situação de violência atendimento psicológico, social e jurídico. Já as delegacias, também apoiam vítimas de violência física, moral e sexual.
Funcionária da rede pública de saúde, Maria Lúcia trabalhou em postos de saúde e acompanhou de perto o cotidiano de inúmeras mulheres.
“Eu atuava no extinto Programa de Saúde da Família (PSF). Visitava muitas residências, ao lado de uma equipe médica, para saber como estavam as famílias”, afirma ela, que é também líder comunitária.
“Nessa época, conheci muitas vítimas que eram agredidas e violentadas, mas que não conseguiam procurar atendimento até mesmo pela vergonha”, completa.
No Brasil, é feita uma denúncia de violência contra mulher a cada sete minutos; enquanto uma em cada três mulheres assassinadas é morta pelo companheiro ou ex-companheiro, de acordo com dados de 2016 do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).
Ainda segundo o levantamento, 80% das mulheres não denunciam seus agressores por medo ou porque, na maioria das vezes, o ofensor é o próprio companheiro. Muitas não conseguem sair de casa por causa de ameaças e decidem pedir ajuda para uma pessoa de confiança, uma amiga ou vizinha.
Aos 53 anos, Márcia Fernandes viveu uma história de relacionamento abusivo com o ex-companheiro.
“Era um sentimento de angústia e tristeza ter que conviver ao lado dele. Eu sofria calada. Cheguei a pensar em desistir de viver”, diz a diarista que mora no Jabaquara com seus três filhos. “Um dia fui trabalhar chorando muito e minha patroa, preocupada comigo, me orientou a procurar a delegacia da mulher”, revela.
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Já a vendedora Ana Cristina de Moraes, 40, demorou 16 anos para se livrar das ameaças do ex-marido. “Fui prisioneira dele por muitos anos, quando resolvi procurar a delegacia. Não tinha qualquer tipo de atendimento no meu bairro, até que minha vizinha me levou na Casa Eliane de Grammont, onde tive auxílio”, relata a moradora do Jardim Lourdes.
Segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a Casa Eliane de Grammont atende toda a demanda da zona sul da capital. Segundo a pasta, foram atendidas, no primeiro semestre do ano, cerca de 500 mulheres — somando 741 devido ao número de atendimentos individuais, já que, como explica a secretaria, a mulher atendida pode buscar acolhimento mais de uma vez por ano. Existem na cidade, nove unidades (confira aqui os endereços).
De acordo com a Secretaria do Estado de Segurança Pública, não há previsão para a instalação de uma delegacia de defesa da mulher no Jabaquara. O órgão diz que “desenvolve ações para ampliar o combate à violência contra a mulher e assistência às vítimas. Assim como a 2ª DDM, que está localizada em um ponto central, dentro da área da 2ª Seccional – Sul”.
Ainda segundo a secretaria, somente nos sete primeiros meses deste ano, o número de medidas protetivas solicitadas pela Polícia Civil, na capital, chegou a 4.843, um aumento de 36% em relação ao mesmo período do ano passado.
Esse cenário preocupa Maria Lúcia, que reforça a importância da criação de mais centros especializados. O pedido de uma CRM no Jabaquara é uma demanda antiga, inclusive cobrada em diversas audiências públicas, não que não entrou no atual Plano de Metas do governo municipal.
“Se tivesse uma delegacia da mulher e um centro de referência, nosso trabalho seria melhor e mais ágil. As vítimas, muitas vezes, são dependentes financeiras e quando nos procuram não têm dinheiro para pegar um ônibus”, afirma ela, que há 10 anos, para tentar contornar a falta de acesso local, cofundou uma associação de apoio às mulheres em situação de violência.
A Associação da Comunidade Ativa Vila Clara oferece acompanhamento às mulheres e realiza atividades dentro da comunidade, a partir de cursos de cabeleireiro, culinária, entre outros. “O objetivo é aumentar a autoestima delas, que chegam ‘machucadas’ física e psicologicamente”, finaliza Maria Lúcia.