“Lute pelo que você acredita, independente do que for”, diz a trancista Isabella Soares, 24, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. “Podemos ter muitos sonhos e minha intenção é sempre fazer dar certo”, completa a criadora da marca Isa Tranças.
Isabella falava sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, celebrados no domingo (25).
Ambas marcam a luta e resistência de mulheres pretas contra o racismo, machismo e a opressão de classe. Mulher preta e empreendora, Isabella é um exemplo de como elas têm buscado meios de driblar as dificuldades de garantir a renda e com o agravamento da pandemia.
“No caso das periferias, as mulheres sempre tiveram uma função de chefiar a família e considerando o mercado de trabalho totalmente desigual que remunera menos mulheres negras, faz com que elas tenham que se virar para sobreviver”, comenta Gabriela Chaves, economista, fundadora e CEO da NoFront – Empoderamento Financeiro.
Segundo estudo sobre empreendedorismo da Periferia de São Paulo, realizado pela “Empreende Aí” em 2020, 61% dos negócios mapeados tinham um quadro societário mais feminino.
O perfil principal era de empreendimentos criados por mulheres negras, jovens de 30 a 39 anos e com ensino superior completo e pós graduação/mestrado e doutorado.
Esse perfil difere de negócios de impacto no Brasil, caracterizados pela liderança de homens, brancos, jovens adultos e escolarizados.
Moradora do Jabaquara, zona sul de São Paulo, Beatriz Alves, 30, é um caso de quem conseguiu iniciar o próprio negócio depois do curso superior. Ela estudou gastronomia e criou o Acarajazz, restaurante com um pouco mais de cinco anos de comidas típicas brasileiras, sendo o carro chefe, o acarajé.
Antes, ela trabalhou com call center e depois com a vendas de computadores, mas não se adaptou. “O máximo que fiquei numa empresa foram três meses. Sempre ao primeiro sinal de humilhação e assédio moral, eu saía”, conta. “Percebi logo que teria que ter um negócio próprio como uma alternativa ao emprego formal”, explica.
O estudo também aponta que 8 em cada 10 empreendedores das periferias já investiram dinheiro do próprio bolso no negócio.
Foi como Letícia Santos, 20, mulher preta, dona da Afro Sant’s e moradora de Jardim Nova Poá, em Poá, na Grande São Paulo. “O apoio é difícil financeiramente, então sempre tive que me virar nos trinta para comprar o material e as minhas coisas”, aponta Letícia.
PANDEMIA
As quitandas, mercados de bairro, profissionais autônomos e microempreendedores sofreram impactos severos devido à pandemia do novo coronavírus. Para evitar o contágio, comércios não essenciais tiveram de fechar por alguns meses.
Para Gabriela, as mulheres foram as mais afetadas com a pandemia. “Muitas tiveram que abrir mão do emprego, porque as escolas dos filhos fecharam. É um dos fatores que empurra as mulheres para o empreendedorismo.”
Logo no começo da crise, em abril de 2020, o levantamento “Mulheres negras – saúde financeira e expectativas diante da Covid-19”, realizado pelo Instituto Identidades do Brasil, apontou que 47% das entrevistadas temiam perder os clientes no empreendimento, seguido por 37% de ficar doente e não conseguir trabalhar.
“Sofri muito com a pandemia, porque estava começando e tive que ficar um ano em casa, sem atender”, relembra Isabella.
A situação atrapalhou uma trajetória que estava começando, depois dela perder o emprego que tinha em um call center em 2019. Em 2021, ela voltou a atender perto de casa com os protocolos de segurança.
“Faço somente penteados e tranças que não demoram tanto”, diz. “Não tenho outra fonte de renda, consegui pegar algumas parcelas do auxílio emergencial, mas não todas e minhas economias já tinham acabado.”
Direito criado para auxiliar famílias pobres, o auxílio emergencial de R$ 600 foi criado ano passado, mas interrompido em dezembro. Depois de quatro meses, o pagamento voltou a ser feito, mas com redução de até 75% no valor – paga agora no máximo R$ 375.
A situação da trancista também se assemelha ao que passou Beatriz com o restaurante, que esteve limitado apenas ao delivery. “Nos impactou com uma queda considerável em nosso faturamento quando começamos a nos estabilizar”, relembra.
OLHAR PARA O FUTURO
Manter um negócio em pé não é tarefa fácil. O estudo sobre o empreendedorismo da Periferia de São Paulo mostra que 49% dos negócios das periferias mapeados estão no chamado “vale da morte”.
A denominação significa que são negócios em operação, mas que ainda não atingiram o ponto de equilíbrio: tudo que entra no caixa não é suficiente para cobrir as despesas. Por esse motivo, é importante criar e manter uma reserva financeira.
“Qualquer valor já é importante, que ele tente guardar pelo menos 1% porque lá é um lugar de saúde mental do empreendedor”, diz Gabriela.
As empreendedoras têm um olhar próspero para o futuro e falam de inspirações e conselhos para outras empreendedoras. “Me sinto inspiração para outras mulheres pretas pela minha persistência, vontade de fazer dar certo e enfrentar as adversidades”, afirma.
Beatriz aconselha como manter o negócio. “Ter tudo na ponta do lápis, ter expectativas reais e traçar bem as metas de vendas e estratégias de como atingir essa meta”, diz.
“Feito isso, invista num produto de qualidade e na área de alimentação compensa muito fazer um produto bom e feito com bons ingredientes, pois nenhuma estratégia fideliza mais um cliente que uma comida boa de verdade”, diz.
Para Letícia, acreditar no trabalho e passar o conhecimento adiante faz a diferença. “Tenha confiança naquilo que faz e tenha amor por isso, assim as coisas vão fluir melhor. Estou obtendo retorno desse trabalho e sempre passo o que eu aprendi para as mulheres pretas com quem tenho contato.”