Estilo criado em meio à segregação racial nos Estados Unidos, entre as décdas de 1940 e 1950, a moda pin-up tem encontrado novos significados nas periferias de São Paulo. Desde agosto de 2020, a página Pin-Ups Pretas BR busca renovar o estilo a partir da ancestralidade e pensá-lo como uma ferramenta para trazer visibilidade a figuras negras que tiveram suas histórias apagadas.
Uma das criadoras é Crislaine Alves, 29, conhecida também como Cherry Cris. Moradora do Jardim Planalto, em Guarulhos, na Grande São Paulo, ela é uma das modelos pin-ups pretas que ressignificam o estilo a partir da estética negra. Ela relata que o grupo tem buscado mostrar o apagamento das mulheres negras nesse estilo.
“O apagamento histórico foi tão grande que pouco se sabe sobre o trabalho e o talento delas [pin-ups pretas]. É muito difícil achar imagens, vídeos ou filmes na internet”, conta Crislaine.
“O racismo está tão enraizado dentro da cultura que as pessoas não enxergam o quanto elas foram importantes em diversos aspectos, tanto na beleza, quanto na vestimenta e cabelo.”
A modelo se refere ao começo do estilo, ainda durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Inicialmente, as mulheres adotavam essa moda com o objetivo de agradar aos soldados. Inclusive, o termo pin-up (em inglês) significa “pendurar”, que vem da ação de colocar cartões, fotos e calendários de atrizes e modelos nos quartos dos acampamentos.
Com isso, se popularizou a imagem com delineado gatinho, batom vermelho, corpo curvilíneo, roupas do estilo 1940 e 1950, e as poses sensuais.
Além de lutar contra a invisibilidade, Crislaine relata que as modelos enfrentaram dois grandes desafios na época: o preconceito da sociedade conservadora, já que a principal responsabilidade da mulher naquela época era cuidar da casa e servir ao marido, e a hipersexualização, já que o estilo foi criado por homens.
“Ao meu ver, o estilo não foi libertador de início [para as mulheres] e sim supersexualizado. As modelos eram vistas como mulheres fáceis e muitas vezes tinham suas fotos censuradas”, afirma.
O resgate histórico
Existem registros históricos deste movimento desde 1890, como é o caso da arte dos franceses Chéret e Raphael Kirchner, com imagens que traziam pinturas de mulheres em poses sensuais.
No entanto, uma das poucas artes com uma mulher negra que pode ser encontrada na internet é do artista Alberto Vargas. Ele pintou uma modelo com os seios à mostra para a revista Playboy, em 1968.
A pin-up mais famosa no mundo é a modelo estadunidense Bettie Page. Reconhecida como a “Rainha das Pin-ups”, ela ganhou notoriedade na década de 1950 com a marca registrada dos cabelos pretos lustrosos e a franja. Outra personalidade que se tornou referência neste universo é a atriz Marilyn Monroe, famosa pelos papéis em filmes como “O Pecado Mora ao Lado” (1955) e “Quanto Mais Quente Melhor” (1959).
O que poucos sabem é que mulheres negras também fizeram história ao retratar o estilo. Entre as que se destacaram estão a dançarina Josephine Baker, que alcançou o sucesso em 1926 sendo estrela de um grande teatro francês, e Dorothy Dandridge, que se tornou conhecida por filmes como “Carmen Jones” (1954) e “Porgy Bess” (1959).
Contudo, as mulheres negras que usam o estilo ainda hoje lidam com a questão da invisibilidade. De acordo com a pesquisa “Quem é a Pin-Up Brasileira?”, realizada pelo Universo Retrô, apenas 5% das brasileiras entrevistadas que são adeptas ao estilo se declaram mulheres pretas.
Paula Renata, 28, moradora do Grajaú, na zona sul de São Paulo, tornou-se a pin-up preta mais reconhecida dentro e fora do Brasil. Conhecida como Miss Black Divine, ela é adepta do estilo desde 2010, mas enfrentou diversos desafios para se encaixar na temática pela falta de representatividade.
“Como eu não tinha muita consciência racial, eu alisava o meu cabelo e tentava me enquadrar”, afirma.
“Uma mulher uma vez veio me entrevistar falando que a característica de uma pin-up era ter a pele branca e pensei: ‘ela não está me vendo?’ A partir desse momento, comecei a reforçar a minha cultura, minha estética e quem sou.”
Sobre o apagamento histórico das mulheres pretas nesse tipo de moda, Paula enfatiza ainda que “é importante conhecer a história para que outras meninas se reconheçam e se sintam seguras”.
“A gente existe e resiste. É preciso mostrar para outras meninas que elas podem sim estar nesse estilo.”
Inspirações e como tornar o estilo acessível
As pin-ups pretas relatam que adaptar a estética a partir dos registros das modelos negras estadunidenses não é uma tarefa fácil, já que o material é praticamente escasso.
Muitas baseiam as pesquisas na cultura vintage africana. “Você tenta adaptar o que encontrar para o seu estilo. Fazer essas pesquisas demandam um pouco mais de esforço, mas valem a pena”, diz Crislaine.
O preço das roupas é outro obstáculo para a adesão de mulheres nas periferias. A solução encontrada por Paula Renata é garimpar em brechós.
“Há a possibilidade de reaproveitar as roupas para que elas se encaixem no seu estilo. Se você acha uma peça e gosta dela pela cor ou tecido, mas sente que não combina muito, pode levar em uma costureira para que ela transforme a peça ao seu gosto”, sugere.
Para o futuro, ambas continuam lutando para que mais pessoas passem a enxergar a cultura negra dentro da cultura vintage, já que a população preta foi pioneira e fez história em diversos aspectos.
Além de modelo, Crislaine também é empreendedora e fundou a loja Cerejando Store, que vende acessórios pin-ups e busca tornar a moda mais acessível para mulheres das periferias. Já Paula, continua trabalhando para que as mulheres negras sejam reconhecidas nos concursos internacionais de beleza.
Em 2018, a Miss Black Divine se tornou a primeira brasileira a estampar a capa da revista estadunidense “Black Pin Ups” e, em 2020, foi selecionada para o maior evento de pin-ups do mundo, o The Queen Of The Car Show – Viva Las Vegas.
Das 12 concorrentes, apenas Paula e mais outras três mulheres são negras. Por conta da pandemia, o evento foi cancelado, mas a expectativa é que o concurso ocorra em 2022.
“Apesar das inúmeras reivindicações, o mercado da moda continua pecando quando se fala em representatividade nas passarelas e propagandas publicitárias”, aponta Paula. “Estão fazendo o mínimo ao colocar uma modelo negra, gorda ou com deficiência nos palcos.”