Na zona leste de São Paulo, em Itaquera, um grupo de mulheres se reúne todas as sextas-feiras em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para discutir ideias sobre os bordados das novas bolsas que estão fazendo.
Sentadas em uma mesa, elas discutem as cores e frases que irão usar como “Eu Sou Minha Musa”, “Honrar a nós mesmas” e “Celebre a si mesma”, que irão estampar os novos acessórios.
As artesãs fazem parte do coletivo “Mãos que Criam”, formado por mulheres da região da Vila Carmosina, que passaram por alguma situação de vulnerabilidade feminina ou violência.
“É importante que as mulheres consigam se apoiarem entre si porque juntas se fortalecem e dividem experiências”, afirma a assistente social Samara Santos, 33. Formada como assistente social há mais de 12 anos, a ativista atua na UBS Vila Carmosina desde 2021. Ela começou a liderar o grupo em 2023.
Mulheres do grupo “Mãos que Criam” reunidas @Arquivo Pessoal
Quando Samara começou a trabalhar na unidade percebeu que na região tinha um grande número de casos de violência contra a mulher e sentiu que precisava fazer algo.
Na UBS da Vila Carmosina, a assistente social reuniu um grupo de mulheres que estavam em alguma situação de vulnerabilidade feminina e solidão em um coletivo de artesanato. Nele, elas criam bolsas com frases e desenhos bordados que destacam a mulher e sua força.
“Poder participar deste projeto é uma alegria para mim, antes não sabia pegar na agulha”, afirma Júlia Laudelino, 68. Ela se sentia deprimida e sozinha em casa após o falecimento do marido, antes de começar a fazer parte.
Muitas participantes passaram por experiências de sofrimento, depressão, ansiedade e aspectos relacionados à saúde mental. Muitas das questões internas eram sobre gênero, não só física, mas psicológica e patrimonial.
Após escolher o desenho e a frase, uma faz o esboço e outra costura @Mateus Borges/Agência Mural
Maria Auxiliadora, 66, tem sessões com a psicóloga na UBS e foi convidada para participar do coletivo. “Eu fiquei muito feliz porque amo artesanato, e este coletivo me ajudou muito minha autoestima”
A inspiração para algumas das frases bordadas partem do trabalho da professora, ativista e feminista Bell Hooks, que deixou um legado na discussão de gênero, racismo, amor e espiritualidade.
Problema estrutural
Para Samara, as mulheres são vítimas de uma situação estrutural. “As mulheres precisam estar amedrontadas, oprimidas, violentadas para seguirem subservientes sobre esta lógica violenta com nossos corpos”, afirma.
Cerca de 43% das mulheres da cidade de São Paulo relataram já ter recebido olhares insistentes e cantadas e 30% relataram ter sofrido importunação sexual, segundo pesquisa Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva realizada entre junho e julho de 2024.
Com a observação destes fatores, ela criou o primeiro grupo, batizado de Ivone Lara. Ivone foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Império Serrano, tradicional escola de samba carioca, quebrando barreiras num ambiente até então dominado por homens.
A trajetória é marcada pela sensibilidade com a saúde mental (atuou como assistente social e enfermeira psiquiátrica) e pela arte. É autora de clássicos como “Sonho Meu”, “Alguém Me Avisou” e “Acreditar”, músicas que tratam de resistência, fé e identidade negra.
Perfil de mulher de cabelo black estampado em bolsa @Arquivo Pessoal
Samara diz que o machismo da sociedade é um problema do homem e o homem precisa estar na luta para combatê-lo, começando por corrigir amigos nas rodas de conversas e participar de movimentos de fortalecimento da mulher como aliado e agregador da causa.
O coletivo abraça mulheres de várias idades, crenças e ideias distintas juntas num propósito que estabelece novos vínculos de amizade e confiança. “Muitas vezes a gente briga, entra em discordâncias, mas nenhuma sai daqui sem dar um abraço e falar com a outra”, comenta Simone Labonia, 60, outra integrante do grupo.
SERVIÇOS DE APOIO ÀS MULHERES
Em caso de assédio Ligue na Central de Atendimento à Mulher 180. Se precisar ter atendimento especializado procure o CREAS
Mulheres e idosos que usam o transporte público na cidade de São Paulo podem escolher o local mais seguro e acessível para desembarcar entre as 10h da noite e as 5h da manhã do dia seguinte, um direito resguardado pela lei 16.490, de 15 de julho de 2016.

