Antes do isolamento social, a professora Érica Milena da Silva, 25, moradora de Poá, na Grande São Paulo, tinha o cabelo liso. Foram 12 anos com uso de químicas, como escovas progressivas, para manter os fios alisados.
Com a pandemia e os salões fechados por causa da quarentena, ela passou pela transição capilar, nome que se dá para o processo entre a parada de uso de produtos químicos e a volta para a forma natural do cabelo.
Érica já tinha tentado se livrar da química antes, mas a vida corrida e a insegurança dificultavam o plano.
“Quando você faz uma progressiva, consegue manusear o cabelo muito mais rápido. Num processo de transição é muito difícil. Além de ter que lidar com o cabelo, você acha que está todo mundo te olhando, que você não está legal”, conta ela.
A professora usou o tempo de isolamento em casa para iniciar a transição, buscar técnicas e cuidados e se acostumar com a mudança. A última progressiva realizada no cabelo de Érica foi em dezembro de 2019.
Com a reabertura dos salões de beleza em cidades na fase amarela do Plano São Paulo, a jovem voltou a um cabeleireiro em agosto, mas desta vez não foi para alisar os fios, mas para realizar o BC (Big Chop), nome dado ao corte de todo o comprimento do cabelo que tenha química.
“O cabelo crespo para mim se tornava um medo. Eu tinha que ter ele liso porque eu cresci com isso. As pessoas colocaram isso na minha cabeça: ‘Cabelo bom é cabelo liso. Seu cabelo é crespo, seu cabelo é ruim’. Levar essa representatividade para a sala de aula vai ser muito engrandecedor”, comenta a educadora que trabalha na Vila Jaú, em Poá.
Solange Carvalho de Paula, 49, também é professora e moradora de Poá. O cabelo curtinho e liso já era ‘marca registrada’. Sol conta que se desesperou com o fechamento dos salões, mas depois resolveu não ficar refém dos serviços que mantém os fios alisados.
“Nesse tempo de pandemia, eu entrava no Google e ficava olhando os cabelos curtos cacheados. E fui pegando o gosto de novo, falei: ‘Quer saber? Acho que eu vou deixar [a forma natural dos fios] voltar'”, conta Solange.
Ela diz acreditar que cada vez mais mulheres têm usado o cabelo natural, mas não vê a transição capilar apenas como uma nova moda, e sim como forma de autoconhecimento.
“Acho que é uma questão de aceitação. Não me aceitava assim porque não era o padrão do momento. Hoje, independente se é ou não, eu resolvi deixar, não é nem pela questão do modismo. É a questão de eu querer ser o que eu sou.”, diz.
No caso da jornalista Gabriela Lira, 23, de Suzano, na Grande São Paulo, a decisão de fazer a transição foi antes da pandemia. Ela optou por usar secador e chapinha até o cabelo natural crescer.
Quando a quarentena, começou e ela passou a trabalhar em casa, se sentiu confortável para abrir mão do secador e chapinha. “O isolamento contribuiu, porque eu não tenho a necessidade de ficar vendo as pessoas. Posso lavar meu cabelo, deixar ele natural, testar cremes”, explica.
“Acho que a transição tem que ser uma coisa muito particular, a hora você se achar pronta pra isso”, ressalta.
A visagista Lays Camargo da Silva, 33, é proprietária do salão de beleza ‘La Visage’, espaço que incentiva a transição. Ela conta que quando os serviços foram paralisados por conta da pandemia, muitas clientes entraram em contato, preocupadas com a falta dos procedimentos capilares.
“A maior parte das perguntas era sobre padrão de beleza e a imposição da sociedade em relação a decisão [de iniciar a transição capilar]. O que eu dizia era sobre se amar da forma que é”, afirma a profissional.
Em tempos de pandemia, foi preciso se reinventar para manter a relação de cuidado com as clientes. O salão apostou em consultas online, delivery de produtos e o uso do perfil do Instagram com dicas para cuidar dos cabelos e motivar a transição.
“O salão fechado foi uma oportunidade para as clientes largarem a química. A gente trabalha nos bastidores, ajudando as clientes a tomarem essa decisão. Na quarentena muitas pessoas repensaram o alisamento. A gente acompanhou muitas transições e big chops“, conta a visagista.