Quem passar em frente a Casa do Hip Hop Perus, na zona noroeste da capital, verá painéis com fotografias antigas e contemporâneas do bairro, que completou 88 anos em setembro de 2022. Trata-se da exposição Museu de Rua: Perus.
Realizada pelo MCSP (Museu da Cidade de São Paulo), da Secretaria Municipal de Cultura, com a curadoria do CMQ (Centro de Memória Queixadas) Sebastião Silva de Souza, a mostra, montada a céu aberto, mescla antigos marcos da história de Perus com importantes movimentos atuais da região.
“A intenção é que os moradores conheçam a história do bairro. Achamos isso muito importante, pois quando conhecemos nossa história, nos empoderamos e ela não será apagada”, diz Sheila Moreira, jornalista e pesquisadora do CMQ.
Sheila tem um trabalho voltado à recuperação e preservação de memórias relacionadas à história das lutas operárias do bairro de Perus e da Fábrica de Cimento Portland Perus, sob a ótica dos Queixadas, movimento organizado por trabalhadores da fábrica.
“Queremos retomar narrativas [do bairro] com força, mostrando, inclusive, toda a força que há na periferia”
Sheila Moreira, jornalista e pesquisadora
Para a pesquisadora, resgatar as narrativas do bairro é uma oportunidade para que os moradores, sobretudo os recém-chegados na região, se aproximem delas. “Todos os dias recebemos em Perus muitas pessoas de fora que vem morar aqui. É super importante que esses novos moradores também aprendam sobre a história do bairro”, comenta.
Sheila expõe que a expectativa do CMQ é que as pessoas não apenas visitem a exposição e conheçam um pouco mais sobre a história de Perus, mas também compartilhem outras histórias do bairro. “Fortalecendo essa corrente das narrativas periféricas e peruenses”, frisa.
Temas da exposição
A exposição é composta por quatro temáticas: trabalho, lazer, atuação feminina e bairro. Sheila conta que no primeiro momento, a ideia era fazer uma exposição pautada na luta dos Queixadas .
“Mas, embora a luta queixada seja importante demais para o bairro, Perus tem muitas coisas para oferecer, inclusive, coisas que derivam dessa luta. Assim, optamos por dividir a exposição em temas que consigam englobar grande parte das narrativas do território.”
A temática bairro foca em aspectos históricos. “Há fotos antigas de Perus em que são retratadas edificações que já foram demolidas e que deveriam ter sido tombadas”, comenta Sheila. “Essa parte mais histórica vem com um aspecto patrimonial. No sentido de que precisamos preservar nosso patrimônio que faz parte de nossas memórias.”
O trecho que traz a preservação patrimonial, teve a curadoria de Walter Pires, arquiteto do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) do Município de São Paulo.
A divisão sobre trabalho é iniciada com conteúdos relacionados à fábrica de cimento. “E aí refletimos como o perfil de trabalho no bairro mudou. Era um bairro rural que passou a ser operário, depois passou a ser dormitório e hoje tem um perfil bastante empreendedor. Por isso trouxemos fotos da Casa Preta, da Agência Queixadas, etc.”
Já sobre a temática lazer, Sheila diz que ela foi pensada com o intuito de confrontar o pensamento de que “em periferia não há nada para se fazer”. “Aqui tem muita coisa. Temos muitos coletivos e muitas ações culturais”, assegura.
“Trouxemos também [para a mostra] o Parque Anhanguera, o Xavica’s Bar, a Casa do Hip Hop, que também é um polo de cultura, o jongo da Quilombaque, a Ocupação Artística Canhoba, enfim”, completa.
“Tentamos mostrar que Perus é um território que ferve!”
Sheila Moreira, jornalista e pesquisadora
Ao falar da atuação feminina, Sheila reforça que é um tema que o CMQ vem trabalhando com frequência. “Porque as mulheres têm presença muito significativa nas lutas e nos movimentos populares do bairro, mas existe ainda um apagamento dessas figuras femininas. Suas narrativas são invisibilizadas.”
Sheila cita como exemplo dessa realidade, a participação das mulheres no movimento Queixadas. “São sempre lembrados os operários da fábrica e nunca a participação das mulheres, que ficaram segurando as pontas em casa, enquanto eles estavam paralisados [na greve dos 7 anos].”
Museu de Rua
O Museu de Rua é um projeto museológico que foi inaugurado no final da década de 1970 pelo arquiteto e museólogo Júlio Abe Wakahara. O objetivo, pioneiro para a época, era levar às ruas o acervo fotográfico de São Paulo da Secretaria Municipal de Cultura.
“A curadoria das imagens tinha como objetivo apresentar um comparativo com a cidade do passado e aquela que o público estava transitando. Ou seja, você poderia ver uma foto antiga do Vale do Anhangabaú e estabelecer o comparativo com a paisagem que via exatamente naquele momento”, diz Paula Talib Assad, coordenadora do Núcleo de Museologia e Acervos do MCSP.
Há alguns anos, o Museu retomou o antigo projeto, cuja atual edição está em Perus.
Paula expôs que a ideia do “Museu de Rua: Perus” surgiu do material que o MCSP tem de história oral sobre o bairro.
O conteúdo foi coletado pelo antigo Departamento de Iconografia e Museus da Secretaria Municipal de Cultura entre 1980 e 2000, com equipes dedicadas à coleta de um acervo de história oral, tendo por eixo registrar os processos e memórias dos movimentos sociais.
Por exemplo, um dos projetos desenvolvidos pelo departamento foi uma série de entrevistas com os trabalhadores da fábrica de cimento de Perus. “Em rodas de conversas, eles narraram as experiências, formas de luta, lazer e resistência que mantiveram durante a greve [dos 7 anos]”, conta Paula.
Em 2019, a equipe do museu retomou os trabalhos de história oral. “Diante do material de Perus, surgiu o interesse de fazer uma nova rodada de entrevistas com os filhos, netos e pessoas que de alguma forma foram tocadas por essa trajetória dos Queixadas no bairro”, relata.
Houve assim a aproximação do museu com o CMQ e, logo, a proposta da elaboração colaborativa de uma exposição sobre o bairro de Perus, utilizando a metodologia proposta pelo Museu de Rua, e o coletivo assumindo a curadoria das imagens e a produção de textos.
“Não há ninguém melhor para falar sobre o bairro do que os próprios pesquisadores e moradores dele”
Talib Assad, coordenadora do Núcleo de Museologia e Acervos do MCSP
“O resultado é muito feliz, foi uma parceria e tanto. Para o MCSP é uma ação que representa nossa missão institucional de trabalhar a própria cidade enquanto nosso acervo e estarmos presentes, escutando e dialogando com toda a extensão do território”, diz.
Endereço: Rua Júlio Maciel, em frente a Casa de Hip Hop Perus e Xavica’s Bar
Horário de funcionamento: Visitação até 23/10
Preço: Entrada gratuita, sem agendamento