A música sempre esteve presente na vida de Samuel da Silva Santos, 25, morador do bairro Vargem Grande, em Parelheiros, na zona sul de São Paulo. Ele cresceu com a mãe regendo o coral da igreja e com o pai sendo DJ em bailes black na região.
Quando ganhou o primeiro teclado, aos 11 anos, surgiu outra paixão: a composição. Mas as letras que colocam lirismo na realidade dele só vieram a público a partir de 2020, durante a pandemia de Covid-19. Foi quando Samuel se tornou Ravih.
“Estava esperando o momento certo em que teria certeza do que dizer com a minha música. Não queria me arrepender”, conta.
Para Ravih, lançar as composições seria se despir para o mundo. E essa coragem só veio durante o isolamento. “Tive que passar mais tempo comigo mesmo. Isso me deu confiança para acreditar que as pessoas precisavam escutar o que eu estava produzindo.”
Com o apoio de artistas independentes da região, Ravih buscou o D3 Estúdio, localizado na Cidade Dutra, distrito próximo, para gravar as músicas do primeiro EP – formato curto de um álbum – chamado “Distância”, que traz elementos do pop, rap e R&B.
Apesar das inspirações pessoais, como a bissexualidade, o racismo e a relação com a religião, Ravih trouxe vivências das pessoas do bairro nas composições. Ao andar de bicicleta por Vargem Grande, ele ficava atento ao que estava nas ruas. Quando chegava em casa, tudo iria para o caderninho.
“As músicas dependem muito do observar a minha comunidade. O EP tem muita influência disso: do olhar o outro, dessa distância que existe entre dois corpos”
No total, quatro faixas compõem o EP: “Lanterna”, “Tarde Demais”, “Distância” e “Pertencer”. Três dessas faixas têm videoclipes gravados em Parelheiros com uma equipe de produção audiovisual e artística da região.
Trabalhar com pessoas da cena cultural local se tornou uma das missões de Ravih desde que decidiu se dedicar à carreira.
É nos saraus e eventos culturais em Parelheiros ou no Grajaú que Ravih encontra os dançarinos, produtores, editores, que convida para participar dos videoclipes.
“A intenção é ter em todos os meus projetos artistas da região [em que vive]. Penso que é uma forma de apresentar para a própria comunidade os artistas locais”, argumenta.
Atuar em rede se mostra essencial para garantir o alcance do trabalho pelos bairros do distrito. “Tem gente que mora aqui e não conhece esses artistas. Não sabe a aula que é vê-los no palco.”
Quem vê close não vê corre
Ravih vê no trabalho com a música um meio de inspirar alunos da Organização da Sociedade Civil Conosco, onde atua como arte-educador há sete anos no Vargem Grande.
Nas aulas para uma turma composta em maioria por crianças negras, Ravih busca trazer a questão do empoderamento, do amor-próprio e da beleza.
Assim, quando surgiu a oportunidade de gravar o videoclipe de “Lanterna”, ele incluiu os alunos na narrativa do clipe para mostrar na prática os assuntos discutidos em sala.
“Fiquei muito orgulhoso em poder mostrar a eles que existem outras maneiras do corpo negro aparecer na mídia, com vida. Girou uma chavinha neles, que podem protagonizar algo”
A gravação também marcou Ravih pelas dificuldades, como a questão de ter verba para locação para um dia e contar apenas como iluminação do sol. “Vendo hoje ficou muito bonito, mas na prática foi uma barra”, relembra.
É com o salário de arte-educador que Ravih consegue investir na carreira. Em média, as gravações necessitam de um investimento de R$ 2.000, dependendo do projeto.
“Fico sonhando por esse momento em que vamos ter mais acesso e conseguir fazer coisas grandiosas, mas também fico orgulhoso pelo que conseguimos fazer com pouco”, diz.
Ocupar os palcos dos espaços culturais da região está nos planos de Ravih para o segundo semestre de 2022, junto com o lançamento do primeiro álbum.
“Estou muito animado. Espero que todos se vejam, de alguma forma, na minha obra”, finaliza.