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Na semana do Oscar, cineastas falam sobre os desafios de fazer o cinema nas periferias

Por: Lucas Veloso

O bairro de Perus, zona noroeste de São Paulo, não possui nenhum cinema. Lá, mora a produtora Janaina Cristina Pinheiro, 30, junto com mais uma população de 164 mil pessoas. 

Para ela, a falta de acesso é um dos motivos que dificulta a entrada das pessoas que moram nas periferias na indústria cinematográfica. Ela se envolveu com cinema em 2007, em oficinas realizadas no bairro. Nas aulas conheceu os processos de um curta metragem e produziu um filme sobre skate, o bairro e o grafite. 

No ano seguinte, se formou em edição de vídeo, participou de formações e estagiou em algumas produtoras. Três anos depois ministrou oficinas de audiovisual na escola municipal Cândido Portinari, localizada na região, na mesma época em que o pai terminava os estudos. 

Durante uma semana, ajudou alunos a pensar no cinema como possibilidade. No fim, o resultado foi um vídeo sobre o histórico do bairro. 

Para Janaina, moradora de Perus, a ausência de conhecimento e de cinemas são fatores que dificultam o acesso dos mais pobres aos meios cinematográficos @Acervo pessoal

Janaina observa que o valor dos equipamentos de produção e filmagem tem grande peso e impede que os mais pobres encontrem oportunidades dentro do mercado de trabalho. “O que a gente usa para trabalhar é muito caro e nem sempre temos em mãos, apesar disso, acredito que a gente, na periferia, produz melhor com os poucos equipamentos que conseguimos”. 

Hoje, ela trabalha na O2 Filmes, uma das principais produtoras nacionais, responsável por filmes conhecidos internacionalmente, como Cidade de Deus, dirigido por Fernando Meirelles, e Blindness, do mesmo diretor, além da adaptação cinematográfica do romance Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago.

No Sacomã, na zona sul, Júlio de Mesquita Melo, 23, também desenvolveu trabalhos ligados ao cinema, por meio de coletivos. Oficinas culturais também foram a porta de entrada para que ele acessasse o audiovisual. Depois, conseguiu graduação na mesma área. 

Uma das iniciativas para levar o cinema a outros públicos foi pensar, junto com alguns amigos, aulas dentro de escolas públicas para aproximar a o trabalho dos alunos. 

Para ele, a ausência de espaços com cinema nos bairros longe do centro impedem que novos talentos surjam. “O acesso ao cinema fica longe de quem mora na periferia, diferente do centro da cidade, onde as pessoas conseguem opções”, diz. “Quanto mais distante geograficamente, menos a gente consegue ver o que nos interessa”.

No bairro em que Julio mora na zona sul não há nenhum equipamento público de cinema. Ele acredita que isso é a primeira barreira que as pessoas das periferias enfrentam para acessar a indústria do cinema @Acervo pessoal

De acordo com dados do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, em 2017, a capital paulista tinha 376 cinemas. Ainda de acordo com o levantamento, os cinco distritos com mais unidades são Barra Funda, Pari, Consolação, Bela Vista e Pinheiros, todos bairros próximos ou na região central.

Por outro lado, os cinco distritos com menos equipamentos são Capão Redondo, Sacomã, Cachoeirinha, Itaim Paulista e Santana, regiões afastadas do circuito centro. Parelheiros, São Miguel, Jardim Helena e Brasilândia, são exemplos de lugares onde não há espaços públicos de cinema. 

A situação se estende a Grande São Paulo, onde 18 das 39 cidades não possuem espaços do tipo. O assunto foi o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no ano passado. 

Criar uma escola livre de cinema no seu bairro é um dos próximos objetivos de Janaina. Hoje, ela se coupa em escrever e captar recursos para a iniciativa. “Meu maior sonho é esse porque sei que sou reflexo de projetos sociais. Sei que como eu, outros jovens podem acessar essa linguagem e terem oportunidades”, destaca.

Para ela, oferecer acesso a equipamentos e ao conhecimento cinematográfico pode mudar trajetórias de jovens com trajetórias de vida parecidas com a dela. “Há dificuldades no acesso das pessoas das periferias à indústria e também conviver com outros profissionais. Quem mora no centro tem mais facilidade em conseguir isso”, compara. 

MAIS CINEMAS

Criado em 2015 pela Prefeitura de São Paulo, o Circuito Spcine se tornou uma rede com 20 salas de cinema, sendo que 15 delas estão nos CEUs (Centros Educacionais Unificados). As salas estão presentes em 17 das 32 subprefeituras, e foi levado em conta os bairros não atendidos pelas salas comercias, como Guaianases e Cidade Tiradentes, ambos na zona leste.

Segundo a prefeitura, o intuito do projeto é democratizar o acesso ao cinema e garantir mais telas para a produção nacional. Semanalmente, há programação de filmes, nacionais e internacionais aberta à população, de graça ou a preços populares, até R$ 4 nos centros culturais.

Um estudo realizado em 2016 pela consultoria JLeiva apontou que, em média, 10% dos paulistanos nunca haviam ido a uma sala de cinema, sendo que o percentual aumentava para 30% nas classes D e E.

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