Foi numa roda de samba que o cientista social e ativista ambiental Alain Gerino, 37, sentiu pela primeira vez a necessidade de saber mais sobre si e sobre o território onde habita. Talvez por conta do nome sugestivo da roda, o projeto Samba da Árvore, realizado há 17 anos embaixo da maior árvore da rua Barão Carlos de Souza Anhumas no bairro do Sobradinho, zona norte de São Paulo. Talvez pela localização do espaço, aos pés da Serra da Cantareira.
Com essa sensação de ligação com a natureza, ele foi até a Casa de Cultura de Hip-Hop Jaçanã e se ofereceu para dar um curso chamado: “A Terra e Nós” para falar sobre as vivências sobre a Cantareira e as periferias. “Queria formar uma rede, pessoas que estivessem a fim de falar e pensar sobre nossa relação com a natureza e sobre o espaço que estamos ocupando hoje”, conta.
Deu certo. Com o início das aulas, Alain e a advogada Beatriz Bito de Souza, 33, juntaram interessados e formaram a Apac (Associação de Pesquisadorxs e Amigxs da Cantareira), um coletivo para a proteção e preservação da serra, com a missão de interligar pessoas e projetos em prol da região. “A gente precisa falar sobre a Cantareira”, defende.
Atualmente com quatro integrantes à frente das ações, a Apac promove o “Vozes da Cantareira – Caminhada Ecocomunitária”, com uma visitação guiada oferecida a moradores da região.
A caminhada serve para falar da origem do bairro, a urbanização do território, identificar a vegetação, árvores e plantas nativas da Cantareira, córregos que foram canalizados, entre outras singularidades.
“São Paulo dependia da água da Cantareira e do tijolo das olarias”, afirma Alain, citando que ali foi criado o primeiro sistema de abastecimento de água de São Paulo, e do grupo de olarias que forneciam tijolos para a capital.
Segundo a Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) do governo do estado de São Paulo, o nome Cantareira foi dado por tropeiros, que faziam o comércio entre São Paulo e outras regiões do país, nos séculos 16 e 17.
“Era costume, na época, armazenar água em jarros de barro, os cântaros, e o apoio usado para guardá-los, chamava-se Cantareira”, diz o texto.
Ainda segundo a Semil, o Parque Estadual da Cantareira, fundado em 1963, possui uma área de 7.916,52 hectares, espalhados por quatro municípios: Guarulhos, Mairiporã, Caieiras e São Paulo, sendo que a maior parte está localizada na zona norte da capital.
A criação da associação atraiu outros moradores interessados em preservar a região, como o agente comunitário de saúde Michel Souza Silva, 36.
Morador do Jardim Santa Cruz, zona norte de São Paulo, Michel conta que o cotidiano corrido o afastou daquilo que gostava muito na infância, animais e plantas. Tudo mudou quando um amigo lhe apresentou a Apac nas redes sociais e decidiu fazer parte.
“Temos que aprender muito e ensinar o dobro porque muitos não sabem o que acontece e o quão importante é esse cinturão verde que temos no quintal de casa”, afirma. Sobre cuidados com meio ambiente, Michel aconselha “procurem conhecimento e sabedoria para que tenhamos (todos) um futuro melhor”
Beatriz lembra que, quando criança, gostava de brincar de dar ‘dar aulas’ às plantinhas. Ela foi inspirada por uma amiga, formada em gestão ambiental, a se preocupar com a causa. Beatriz decidiu se especializar na área, o que mudou o olhar dela sobre a cidade.
“Entrava no carro e levava uma hora e meia até o trabalho, duas horas para voltar, olhando a rua. E hoje, até dirigindo, é impressionante porque não me guio mais pelo cinza, estou mais atenta ao verde, a cor da natureza presente”, conta.
Beatriz tem tatuado o nome do distrito “Jaçanã”. Diz que foi uma forma de se religar com quem ela é de verdade num período que morou fora do país. Para ela, defender a Cantareira é também defender a ancestralidade e um caminho para vivermos em sintonia com a natureza.
“Gostaria que não se perdesse esse olhar para a natureza, porque ela tem muito a nos ensinar sobre harmonia. Nossa sociedade é um tanto quanto caótica, e deveria olhar para esse movimento mais harmônico”
Beatriz de Souza, 33, advogada e moradora do Jaçanã
A advogada ainda afirma que cuidar da natureza é um gesto de autocuidado e condena o modo de vida ‘acelerado’ que a sociedade tem levado, que, segundo ela, “nos afasta um pouco daquilo que nós somos: seres vivos, como a natureza. Somos animais, como os outros animais”.
A Apac pretende continuar com as ações e ampliar a rede. Hoje, o grupo atua com as caminhadas, que ocorrem bimestralmente.
Os responsáveis pela associação sabem que os desafios são grandes. Ele aponta a passagem do Rodoanel Mario Covas pela região, como um exemplo dos desafios de manter a área verde em meio à urbanização acelerada da cidade.
“Não ligam para os animais que terão menos espaços, as plantas que serão arrancadas, mortas e não conseguirão se adaptar a outros territórios”, desabafa.