Adélia Prates, 77, é ativista do Grajaú, distrito localizado no extremo sul de São Paulo. Nascida em Valparaíso, ela chegou a São Paulo aos 19 anos, época em que atuava como trabalhadora doméstica.
Em 1972, era cozinheira em Higienópolis, no centro da cidade. A família que a contratou não a registrou formalmente por ser analfabeta. Sem conhecimento do momento histórico que vivia, ela teve o primeiro contato com a repressão da ditadura enquanto estava no serviço.
“Trabalhava na rua Alagoas para uma família estrangeira. Um dia, estava sozinha com as crianças, bateram muito forte e quebraram a porta”, lembra.
Cinco policiais fardados portando metralhadoras fizeram a inspeção no apartamento e reviraram tudo: tiraram todas as gavetas e os aparelhos da tomada, e procuraram por documentos. “Nós somos da Polícia Militar, fica quietinha e não fala nada”, disse um deles enquanto Adélia segurava as duas crianças.
Após o episódio, a família se refugiou em outro país. Sem emprego, Adélia se viu obrigada a se casar para ter melhores condições de vida. Se mudou para Santana e procurou uma escola para estudar. Adélia relembra que a ditadura continuava forte, com os carros e polícias fazendo a repressão nas ruas.
Ainda no início da década de 1970, o marido dela comprou um terreno no Grajaú e a família começou ali uma nova vida. Começaram a frequentar a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, onde conheceram o padre Luís que trabalhava em prol dos mais pobres e disponibilizou o espaço da paróquia para promover encontros em busca de melhorias no distrito.
“Nós tínhamos que ser muito cautelosos nas nossas reuniões, não podia acender luz nenhuma. Falávamos sobre a luta pelos nossos direitos à saúde, moradia e quando que a ditadura iria acabar”, conta.
A polícia descobriu que existia um encontro de mulheres e passavam com o farol abaixado nas ruas. O grupo ficava em silêncio. Na hora de ir embora, ia saindo uma pessoa por vez e vendo a movimentação na rua para que todos ficassem em segurança.
O espaço também começou a promover acolhimento para as famílias que viviam nas casas de alvenaria e que foram destruídas pela polícia no período da noite.
Posteriormente, as mesmas mulheres se uniram para fundar a Associação de Mulheres do Grajaú – que até os dias de hoje promove cursos, facilita o acesso à saúde ginecológica e presta apoio jurídico para mulheres vítimas de violência.