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Narrando cotidiano das periferias, escritor atípico de Itaquera denuncia desigualdade

Por: Gabriela Vasques e Malu Marinho

Uma conversa no metrô, o agito nas calçadas, o papo animado dos vizinhos, os vendedores ambulantes. O cotidiano das periferias é traduzido em contos pelo escritor Elizeu do Carmo Munhoz, conhecido como Aramyz, de Itaquera, na zona leste de São Paulo. Narrando as quebradas, ele é semifinalista do Prêmio Jabuti, maior reconhecimento da literatura nacional.

“Recebi mensagem de um amigo dizendo: ‘você está na lista do Jabuti!’ Achei que era um erro e fui conferir no Instagram, porque não esperava”, conta. Ele concorreu na categoria de contos com a obra Estranho Seria se Você Soubesse, publicado pela editora Laranja Original.

“É uma vitória um gay, periférico e autista ter sido semifinalista em um prêmio tão grande”, comemora o autor, diagnosticado como Aspergersíndrome considerada parte do espectro autista.

Estranho seria se você soubesse, obra semifinalista do Prêmio Jabuti, foi escrito a partir da vivência do autor em Itaquera @Gabriela Vasques/Agência Mural

Apesar de ser uma obra de ficção, o livro denuncia a realidade violenta que a comunidade LGBT+ enfrenta nas periferias e sua resistência por ocupar espaços da cidade. As inspirações partem de conversas dentro do ônibus e metrô e da observação constante do cotidiano.

‘Me perguntam quanto tempo eu demoro para escrever um livro e eu respondo: a vida toda’

Por isso, as premiações não são novidades para o autor. Ele já publicou pelo menos outros cinco livros e já foi indicado aos prêmios de literatura Caio Fernando Abreu e Oceanos.

Em 2024, ele concorreu ao mais tradicional prêmio da literatura brasileira: O Prêmio Jabuti, criado em 1969 e concedido pela CBL (Câmara Brasileira do Livro). A premiação prestigia contos, poemas, romance, ilustração e livro-reportagem que se destacam pelo ineditismo e qualidade. Apenas a partir de 2019 escritores declaradamente periféricos passaram a ter mais espaço dentro da premiação.

Aramys posa com seus livros, atrás está a última peça que sua mãe costurou, uma mulher negra, que o escritor tem orgulho de ser filho @Gabriela Vasques/Agência Mural

Literatura atípica

Laudado como atípico, com Asperger, Aramyz, não esconde as dificuldades que enfrentou para se inserir no universo da escrita, em especial vencer os “nãos” das editoras. Por seu estilo de escrita periférico e marginal, ele acredita que sua “literatura incomoda”.

‘As editoras diziam que [meus livros] não tinham sentido com a linha editorial delas’

Foi só em 2021 que Aramys teve seu primeiro livro publicado, o conto ‘Só as hienas matam sorrindo’, divulgado a partir de um edital para obras de caráter anti-fascista, da editora Urutau. “É um retrato do contexto político que o Brasil viveu, com o ex-presidente [Jair Bolsonaro]. E foi só a partir dessa chamada que me deram oportunidade dentro da literatura”, conta, sempre ao lado de seu gato, Tico.

Aramyz relata que quando criança já percebia diferenças nele, que na verdade são características dos asperger. “Eu era [visto como] o problemático, o maluco que às vezes tinha que ficar amarrado para poderem dar conta”.

O escritor afirma que tem um olhar para o autismo dentro da sua literatura e deseja que seus escritos possam chegar a mais pessoas atípicas para ajudá-las de alguma forma.

Movimento neomarginal

Muitos dos contos e poemas de Aramyz relatam o cotidiano das periferias, dos pontos mais divertidos e interessantes aos mais negativos. Ele usa das palavras para denunciar diversas formas de violência, seja física, psicológica, de gênero, raça ou orientação sexual.

‘Costumo dizer que eu não escrevo. Eu grito!’

O escritor se enquadra no movimento chamado “neomarginal”, que reúne poetas, escritores e pichadores dispostos a fazer denúncias com sua arte. Eles não se veem representados pela classe de artistas tradicionais.

Coleção de livros do autor @Gabriela Vasques/Agência Mural

“Muitos de nós escolhemos nossas batalhas [políticas]. Parte da minha é a luta antimanicomial, sobre a qual escrevo e luto contra, como autista e como ser humano”.

Ele acredita que o ato da leitura é válido e libertador, “mesmo que seja ler uma bula de remédio”. Para o autor, as palavras são uma forma de colocar para fora tudo que observa dentro das periferias, na esperança de que alguém ouça o grito que define sua escrita.

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