Ruas estreitas que impedem a passagem de ônibus, o que leva a longas caminhadas para chegar ao transporte público, aumento do número de carros que congestionam o bairro e ser taxada como uma “área de risco”, o que faz motoristas evitarem a região.
Estes são alguns dos desafios da mobilidade urbana nas duas maiores favelas de São Paulo: Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul de São Paulo.
Na segunda reportagem da série de mobilidade nas periferias, a Agência Mural aborda como os moradores veem a situação de acessar a cidade nessas regiões que concentram mais de 300 mil moradores.
A 8 km do centro de São Paulo, Heliópolis é considerada a maior favela da capital paulista. A comunidade faz parte do distrito do Sacomã e reúne cerca de 200 mil habitantes em um território de 1 milhão de m² (equivalente a 10 estádios do Morumbi).
Nos últimos anos, a região sofreu uma grande transformação, comenta João Vitor da Cruz, 20, pesquisador social na UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região).
“De uns dez anos para cá, todo mundo comprou um carro ou aumentou a casa. Mas ninguém fez garagem, por exemplo, então as ruas do bairro começaram a ficar mais lotadas. Na minha infância não me lembro de ter tantos carros aqui dentro”, conta.
Como consequência do aumento de carros estacionados nas ruas, houve mais trânsito, principalmente nos horários de pico. O pesquisador também conta que o fluxo de pessoas andando a pé costumava ser intenso antes da pandemia de Covid-19.
“No início da manhã era um mar de adolescentes indo para as escolas. Outra parte era de moradores indo trabalhar. Muitos se concentravam [nos pontos de ônibus] na estrada das Lágrimas para sair de Heliópolis”, explica Cruz.
Por conta das ruas estreitas, não transitam ônibus dentro de Heliópolis. Assim, o acesso de moradores ao transporte público pode ser mais fácil ou mais difícil dependendo de qual ponto da comunidade o passageiro estiver, conta a auxiliar administrativa Tânia Maria de Jesus, 34.
“A gente tem fácil acesso ao transporte público entre aspas, porque estamos dentro de um território extenso e temos apenas duas avenidas principais, que são a estrada das Lágrimas e a avenida Delamare, onde se dá acesso ao terminal Sacomã”, diz Tânia.
O terminal de ônibus do Sacomã faz integração com a Linha 2-Verde do Metrô. Outra opção de acesso aos ônibus municipais se dá pela avenida Guido Aliberti, junto ao limite com a cidade de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.
Também na zona sul, fica Paraisópolis, a 15 km do centro da capital. Com cerca de 100 mil moradores, a comunidade pertence ao distrito da Vila Andrade e tem uma área de 798 mil m².
Em Paraisópolis, a estação de Metrô mais próxima é a São Paulo-Morumbi, da linha 4-amarela, inaugurada em 2018. Além desta, a comunidade também tem acesso à estação Giovanni Gronchi, da Linha 5-Lilás, e aos ônibus municipais que fazem itinerários até regiões como Pinheiros e Santo Amaro.
No entanto, a estação mais próxima fica a 3,5 km da favela. Nos últimos anos, um projeto do Metrô prometia uma estação do monotrilho da Linha 17-Ouro na região. Prevista para a Copa do Mundo de 2014, a ação não saiu do papel.
A moradora Osmarina Pereira da Silva, 56, trabalha como diarista três vezes por semana e usa as lotações para circular pela cidade. “Sempre vou de ônibus para os lugares, não sei me locomover muito bem de trem e metrô. Normalmente tenho que pegar dois ônibus: um que sai de Paraisópolis e outro até o local onde eu trabalho, que varia”, conta.
Apesar das opções de coletivos, a jornalista e produtora cultural Glória Maria Brito, 21, considera que as linhas não são suficientes para atender aos moradores de Paraisópolis com conforto e segurança, e que o número de ônibus circulando pelas ruas deveria ser maior.
“O suficiente vai ser quando todo mundo puder ir sentado e usar o cinto de segurança, que é uma das coisas que não rola no transporte público”, comenta Glória.
“Vai ali todo mundo amassado, ainda mais no meio da pandemia, onde se deveria manter distância. Mas é impossível manter essa distância quando a galera tem que sair cedo para ir trampar e o transporte está totalmente cheio”, complementa.
Heliópolis é a maior favela da capital com 200 mil habitantes @Ira Romão/Agência Mural
Mobilidade na pandemia
Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pela 99, aplicativo de mobilidade, 31% dos entrevistados da classe C começaram a utilizar carros por aplicativo durante a pandemia (nas classes A/B, o percentual foi de 14%). O levantamento ouviu 1.542 moradores de seis estados com idades entre 18 e 75 anos.
Nas principais favelas da capital, moradores relatam que também começaram a utilizar esse meio de transporte, mas que enfrentam algumas dificuldades.
O pesquisador João Vitor tem notado que o número de pessoas optando por usar carros de aplicativos em Heliópolis cresceu, principalmente quando o destino não é o centro de São Paulo. Ele mesmo tem feito isso com mais frequência.
“Se você quiser ir para um lugar em direção ao centro, compensa mais pegar um ônibus. Agora, se você quiser ir para um lugar que é contramão ao centro, como ABC Paulista ou o [distrito do] Cursino, é melhor ir de aplicativo. Caso contrário, tem que pegar um ou dois ônibus, e metrô também, para chegar no lugar”, detalha o jovem.
Ele também aponta uma questão sobre tempo e distância nesses percursos. “Minha namorada mora em São Caetano do Sul. Se eu fosse pegar um ônibus, gastaria o mesmo que gasto indo de carro por aplicativo, só que levaria o triplo de tempo. Uma distância que leva 15 minutos de carro, eu levaria entre 1h e 1h30 de ônibus.”
Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, pertence ao distrito de Vila Andrade @Léu Britto/Agência Mural
Para alguns moradores das favelas, contudo, essa facilidade tem sido um desafio. Às quintas-feiras, Glória Maria leva a filha para consulta com uma fonoaudióloga às 5h40 e utiliza um carro da 99 para fazer o trajeto. Para evitar atrasos, a solicitação de corrida é feita assim que ela acorda.
“Acordo às 4h e a primeira coisa que faço é pedir o 99 porque tem muito cancelamento. Às vezes, tenho que subir para a avenida Giovanni Gronchi ou ir até a avenida Hebe Camargo, que aí facilita para o motorista entrar aqui”, conta a jornalista.
Segundo os moradores ouvidos pela reportagem, o aplicativo Uber não entra em algumas ruas de Paraisópolis e as opções de carros da 99 muitas vezes são limitadas nas duas favelas. Os motoristas atuam como autônomos e com veículos particulares, portanto, fica a critério deles aceitar, ou não, a corrida para essas regiões.