João Victor, 8, está no terceiro ano do ensino fundamental. Morador de Carapicuíba, cidade na Grande São Paulo, ele decorou a rotina de segunda a sexta. “Tem que acordar, escovar os dentes, limpar os olhos e fazer lição. Depois come alguma coisa, e descansa”, conta.
Com as aulas online, quem acompanha João são os pais. Gilmar de Souza Rodrigues, 44, explica que o filho ficou em casa ‘desocupado’ por quase dois meses, desde que as aulas foram interrompidas por causa da pandemia do novo coronavírus. Na primeira quinzena de maio, recebeu mensagem da escola para retirar um material de estudos na escola.
Outra orientação que recebeu foi que deveria acompanhar o menino na rotina de estudos e que os materiais estavam disponíveis na internet, celular ou TV. “Como que faz para mãe e pai que não tem ensino fundamental completo? Como vai ajudar a educar os filhos?”, questiona. “Vai ser difícil hoje em dia”.
Nos primeiros dias, o pai teve dificuldades para entender os conteúdos, mas ‘com o passar do tempo foi pegando’.
Mãe de João, Iraci Constantino, 50, também teve dificuldades na mudança da rotina. “Tem que ficar ensinando para ele, se não, ele não vai entender, isso é meio complicado”, comenta. “A professora dele está acompanhando, mas como eles falam, tem que ter um adulto nas aulas”.
Estudantes de escolas municipais e estaduais ouvidos pela Agência Mural contaram sobre os primeiros dias das aulas online, apontaram dificuldades com internet e se dizem prejudicados, em comparação com alunos de escolas privadas na cidade.
No estado de São Paulo, desde o dia 22 de abril, mais de 3,5 milhões de estudantes estão nesta nova rotina de estudos
Luiza Martins, 17, é estudante do primeiro ano do ensino médio. Moradora do Itaim Paulista, na zona leste da cidade. “Está sendo muito difícil conseguir assistir às aulas”, define.
Além da mudança na rotina de estudo, Luiza sofre com déficit de atenção [doença crônica que inclui dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade], mais um desafio. A situação a coloca de frente com outras necessidades. “A forma em que está sendo passada [a matéria] não consigo prestar a mesma atenção de quando estou com o professor, que atende as nossas necessidades específicas, assim como é na sala de aula”, acrescenta.
Em abril, a Secretaria Estadual de Educação disse que cada aluno do ensino fundamental e do ensino médio receberia um kit com quatro apostilas: uma de orientação geral, mas uma de língua portuguesa, outra de matemática, e uma sobre a utilização do Centro de Mídias SP.
Sobre o conteúdo, a aluna diz que achou o material ‘muito raso, além de ser muito mal elaborado’. Ela diz que as questões são conteúdos apreendidos no ensino fundamental. “O que dá a entender é que querem mostrar um bom rendimento dos alunos quando na verdade estamos muito atrasados”.
DESIGUALDADE
Desde o começo da pandemia, um dos problemas para o ensino é que os estudantes enfrentam dificuldades com Wi-fi, ferramenta básica para estudos à distância.
“Algumas pesquisas mostram, que não há plano de dados e internet capaz de suportar esse período de aulas online. Nem sempre tem celular ou computador para acessar os conteúdos, sobretudo quem estuda nas escolas públicas”, afirma Ana Siraque, 18, diretora da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), e moradora de Santo André, na Grande São Paulo.
Essas diferenças levaram a protestos pelo adiamento do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Após protestos, a prova, utilizada para selecionar quem estudará em universidades públicas, foi adiada e ainda não tem data definida.
“As desigualdades de estudo no país não são de agora, só aprofundam uma crise social que a gente já vivia antes da pandemia chegar”, comenta.
“Foi difícil saber que não poderia ir mais para escola. Parei de estudar na quinta série. Depois de tantos anos eu retomei e do dia pra noite fiquei sabendo que teria que parar e nem sei se vamos concluir o módulo esse ano” – Geneilma Flora da Silva, moradora do Capão Redondo, estudante do Cieja Campo Limpo.
A estudante do Cieja Campo Limpo, Geneilma Flor da Silva, 37, é auxiliar de cozinha, mora no Capão Redondo, zona sul da capital, e está no quarto módulo (o equivalente ao ensino fundamental) da EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Mãe de dois meninos, um de 11 anos que está no 6º ano do ensino fundamental e outro de 15 anos que está na 1ª série do ensino médio, Geneilma criou uma divisão de horários com os filhos. De manhã é a vez do mais novo e a tarde do mais velho. E ela usa no intervalo entre um e outro.
“A internet está muito fraca na região.Tenho colegas com o mesmo problema e tem vez que não dá para acessar nada. Utilizo mais o celular que também tem internet para não atrapalhar o estudo deles”, conta.
“Não estamos adaptados a esse tipo de estudo à distância. Só o meu filho mais velho recebeu apostila de português e matemática até agora. O que estamos fazendo também é tirar um momento do dia para estudar juntos”.
A autônoma Juliana Lima, 27, é prima de Cecília Lima, 10, aluna do quinto ano da rede municipal de educação da capital. Moradoras da Vila Renato, em Pirituba, zona noroeste, as duas acompanham juntas as lições enviadas pelos professores.
Juliana diz que a maioria dos conteúdos são de fácil compreensão. “Acredito que 98% das atividades são bem claras, os professores estão sendo bem objetivos. É só uma coisa ou outra que ela [Cecília] fica com dúvida, mas enviamos mensagens para os professores e eles respondem de imediato”, afirma.
Em casa, a menina está tendo aulas de todas as matérias que tinha em sala de aula, como música, educação física, informática, leitura e matemática. “Algumas atividades eles mandam com prazo de entrega, outras deixam as datas livres, acrescenta Juliana.
Nas últimas semanas, chegaram as ‘avaliações’. “Eles enviam com prazo de entrega, e no dia seguinte concluem e enviam as notas”.
A única ressalva de Juliana é que a plataforma Google Classroom foi pouco divulgada pela escola. “Muitos pais não sabem que as aulas estão disponíveis lá. Eu mesma não sabia e quando entrei tinha várias atividades atrasadas”.
Sobre o futuro depois da pandemia, pais e filhos têm dúvidas sobre o que vem pela frente e tem o prejuízo desse período. “A gente sabe que não vai ser fácil o retorno. Essa é minha preocupação mesmo. Será que a gente vai concluir esse ano? Creio que é a pergunta que todo mundo faz”, diz Geneilma.