Na Estrada de Itapecerica, no distrito do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, o motorista desempregado Sebastião Ferreira Silva, 57, espera um prato de comida com outras dezenas de pessoas.
Ali fica a unidade do Bom Prato, programa criado há duas décadas pelo governo estadual para oferecer comida à população de baixa renda. O café da manhã custa R$ 0,50, enquanto almoço e jantar sai por R$ 1,00.
Morador do bairro Parque Arariba, Sebastião diz que o preço de R$ 1 no almoço compensa pela qualidade no prato, mas defende a ideia da gratuidade.
“Estou conseguindo o dinheiro, mas acho que deveria ser de graça neste momento [de pandemia]. O governo poderia facilitar para gente comer”, argumenta. “Depois que passar, a gente já consegue correr atrás de um serviço para pagar”.
De acordo com a SDS (Secretaria de Desenvolvimento Social), a alimentação é balanceada com 1.200 calorias, composta por arroz, feijão, salada, legumes, um tipo de carne, farinha de mandioca, pãozinho, suco e sobremesa (geralmente é uma fruta da época).
Segundo o relatório de prestação de contas de 2018, no Campo Limpo foram distribuídas quase 200 mil refeições, entre café da manhã e almoço.
Mirian Alves da Silva, 28, está desempregada. Moradora do Jardim Aurélio, na zona sul, ela elogia a possibilidade de comer no Bom Prato, mas comenta que ‘nem para todo mundo é acessível conseguir dinheiro para comer’.
O autônomo Jurandir Ferreira, 57, do Jardim Rosana, concorda. “O preço baixo ajuda as pessoas, mas não é todo dia que aparece serviço, então nem todo dia eu tenho condições de vir aqui”, relata.
Desde que começou a quarentena no estado, decretada pelo governador João Doria (PSDB) em 24 de março, organizações que atuam junto às populações em situação de rua defendem a gratuidade das refeições em unidades do Bom Prato.
O programa conta com 58 unidades em funcionamento, sendo 22 localizadas na capital paulista, e 11 na Grande São Paulo. A lista com os endereços do Bom Prato está no portal do governo do estado.
Em 1º de abril, alguns grupos como o Fórum da Cidade de Acompanhamento e Monitoramento das Políticas para a População em Situação de Rua publicaram um ofício em que pedem à secretaria responsável a gratuidade enquanto durar a pandemia. Dezenas de deputados e organizações sociais assinaram o documento.
O documento diz que, em períodos habituais, a população de rua ‘sobrevive’ da venda de materiais recicláveis, de pequenos trabalhos de carregamento e descarregamento em comércio em geral, ou até mesmo da contribuição voluntária de pedestres. Mas com o esvaziamento das ruas, conseguir essa renda, por menor que seja, é uma ‘tarefa hercúlea’.
Segundo as organizações, a prova de que muitos não conseguem pagar se reflete nas inúmeras ações de doação de comida que diminuíram no contexto da pandemia.
“Alguns grupos da sociedade civil interromperam a entrega de marmitas durante a quarentena, evidenciando o limite da caridade e reforçando a necessidade de pensarmos sempre no âmbito das políticas sociais, sólidas e continuadas”, comenta Mariana Lucio Oliveira, do Jornal Vozes da Rua.
Aliás, o auxílio – de R$ 600 ou de R$ 1,2 mil para mães solos – que seria pago, por pelo menos três meses, para compensar a perda de renda decorrente da pandemia de coronavírus é outro motivo que levou às pessoas para filas do Bom Prato. Nas periferias paulistanas, moradores relatam problemas com o aplicativo Caixa Tem, um dos motivos para aglomerações em agências bancárias.
OUTRO LADO
Questionada, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social respondeu que adota medidas para proteger a população mais vulnerável e diminuir os impactos sociais causados pela crise do coronavírus.
Sobre o Bom Prato, a Secretaria se limitou a dizer que a rede ampliou o seu atendimento para 3,2 milhões de refeições por mês, com oferta diária de café da manhã, almoço e jantar, com distribuição em embalagens descartáveis para retirar.
A nota enviada diz que, no dia 15 de abril, foi iniciada a distribuição de 4 milhões de cestas de alimentos para famílias em extrema pobreza, que vão ser entregues até o mês de julho por meio do programa ‘Alimento Solidário’, sendo 1 milhão de cestas por mês para 4 milhões de pessoas.