Apesar de ser uma arte milenar, o circo chegou ao Brasil no século 19. Em 27 de março de 1897, nascia o reconhecido circense Abelardo Pinto, o palhaço Piolin. Esta data marca o Dia Nacional do Circo.
O conhecimento dessa manifestação artística foi repassado durante muito tempo por gerações de famílias que trabalhavam com circo. É o caso de José Wilson Moura Leite. Nascido e criado em uma família de artistas circenses não teve dúvidas sobre qual caminho seguir. Aos oito anos iniciou a carreira no trapézio fixo e não parou mais.
De lá para cá acumulou experiências diversas como trapezista, palhaço, domador e motociclista do globo da morte. Hoje, aos 74 anos, é dono do Circo Spadoni e diretor da Picadeiro Circo Escola, ambos localizados na avenida Visconde de Nova Granada, 513, em Osasco, na Grande São Paulo.
Como artista circense, José Wilson recorda que viajou pelo Brasil de ponta a ponta e trabalhou em mais de 60 países. A França foi o país que mais o impressionou em relação ao circo devido às políticas públicas voltadas ao setor.
‘As pessoas precisam valorizar um pouco mais o circo, conhecer a essência e força cultural. Mas a população não só do Brasil, mas de outros países da América, infelizmente, não conhecem’
O artista avalia que o Brasil ainda precisa avançar em relação às políticas públicas direcionadas ao ramo. Viajando pelo país com a trupe, percebe muitas nuances no comportamento das pessoas em relação ao circo.
“Tem cidade que somos recebidos de uma forma muito boa e tem cidades que somos praticamente escorraçados. Existe essa contradição no circo brasileiro e temos muitos grupos bons. Falta a popularização do acesso”, avalia.
Para José, esse comportamento tem a ver com a falta de conhecimento das pessoas sobre a arte do circo e com o receio pelo estilo de vida dos artistas que costumam viajar por diversos locais.
Com o dinheiro guardado durante o período que trabalhou no exterior, José comprou o Circo Spadoni em 1977. “Comecei a circular pelo país. Chegou um momento que falei: ‘vou montar uma escola de circo’. Minha família toda foi contra porque estava ensinando a nossa profissão para pessoas que não são de família de circo”, relembra ele, que faz parte da terceira geração circense da família.
A arte de ensinar
A primeira escola de circo instalada no Brasil foi a Academia Piolin de Artes Circenses, fundada em 1978 na cidade de São Paulo e que funcionou até 1983. Em 1982 foi fundada a Escola Nacional do Circo, no Rio de Janeiro.
José queria ter um espaço para repassar o conhecimento e fundou a Picadeiro Circo Escola em novembro de 1984. Contou com o apoio do secretário de cultura da cidade de São Paulo da época, Gianfrancesco Guarnieri, para instalar a escola no antigo Parque do Povo, próximo à Ponte Cidade Jardim, em São Paulo.
“Depois aconteceram muitas coisas. Muitos políticos foram contra, uns queriam tirar para fazer nome, outros queriam tirar porque achavam que um circo não podia estar na porta da Cidade Jardim. Teve muita briga, mas resisti com o apoio de algumas autoridades que fiz amizade”, diz José Wilson.
A escola permaneceu no endereço até 2007, quando solicitaram o espaço para construção de um parque. A vinda para Osasco foi motivada pela aproximação que o artista já tinha com a cidade e com o apoio que recebeu das autoridades locais.
Benedita Moura, mãe de José, morava no Helena Maria, bairro na zona norte de Osasco, e ele costumava visitá-la quando retornava das viagens. Atualmente, reside com a esposa Alessandra Leite, 44, e o filho Pedro Henrique, 14, no bairro Metalúrgicos, zona sul da cidade. O circo e a escola estão instalados em um terreno que pertence à Secretaria de Cultura de Osasco e está localizado ao lado do prédio administrativo da pasta.
O espaço conta com aulas de cama elástica, andar no arame, acrobacia de solo, tecido, lira, trapézio fixo, trapézio voador, equilíbrio em bola, perna de pau e palhaço. As aulas são ministradas por três professores duas vezes na semana (segunda e quinta) das 19h às 21h.
A mensalidade custa R$200 e permite a prática de todas as modalidades. Segundo José, atualmente a escola conta com 25 alunos com faixa etária que vai dos sete aos 50 anos. Ressalta que não há contra indicações para a prática.
O contato de Mirian Wolf, 50, com o circo aconteceu por acaso. “Trazia minha filha, mas ela acabou saindo da aula e eu fiquei. Aqui eu me encontrei. Deveria ter conhecido o circo há muito tempo. Venho aqui e esqueço de tudo”, conta a analista financeiro que faz aulas há um ano e meio.
O psicólogo Edir Evaristo da Silva, 39, frequenta o espaço há dois meses. Já teve uma breve experiência com circo e decidiu fazer aulas a fim de fazer uma atividade física para melhorar o condicionamento.
“Gosto de tudo um pouco, das acrobacias de solo. Gosto das histórias, acho que o circo também é cultura. Tenho o prazer de estar aqui e ter contato com uma família que fala das suas origens, fala do prazer do circo”, conta o morador do Butantã, zona oeste de São Paulo.
Uma das alunas mais jovens, Gabriela Morais, 14, frequenta o espaço há cinco meses. “Gosto de me pendurar de ponta cabeça. Acho que eu esqueço dos problemas assim”, conta a estudante que tem como modalidade preferida o tecido acrobático.
Para manter o funcionamento da escola, além do valor da mensalidade, aos finais de semana a trupe do Circo Spadoni realiza apresentações sendo essa a principal fonte de renda. Além disso, há outras rendas como apresentações fechadas, parcerias como a atual com o Sesc Osasco, projetos de governo, bilheteria e venda das barracas de comida durante os espetáculos.
Para o artista, mesmo com a retomada das atividades após a pandemia de Covid-19 o circo ainda “não embalou”. “As pessoas ficaram com medo de frequentar. Fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar. O auxílio recebido salvou por uns três meses. Vendi dois caminhões para pagar as contas e pagar os artistas”, conta José.
Abrem-se as cortinas
A estimativa é que a Picadeiro Circo Escola tenha formado mais de 1.500 alunos entre artistas e grupos circenses que seguiram carreira no Brasil e no exterior. Entre alguns dos conjuntos formados estão: Parlapatões, Nau de Ícaros, Acrobático Fratelli e Cia La Mínima.
Esse último formado por Domingos Montagner e Fernando Sampaio que conheceram-se na escola, começaram uma dupla de palhaços e em 1997 criaram o grupo. Em 2016, o ator e palhaço Domingos Montagner, 54, morreu afogado no Rio São Francisco. Ele estava na região gravando cenas da reta final da novela “Velho Chico”, exibida pela Rede Globo.
‘Domingos ficou aqui na escola por uns 12 anos. Era um dos nossos maiores orgulhos porque ele levava o nome do circo. Éramos amigos, tínhamos uma relação muito forte. Ele foi meu padrinho de casamento’
A amizade com o ator e outros detalhes sobre a carreira de José Wilson foram abordados em “O Circo Voltou” (2021), documentário dirigido por Paulo Caldas, que acompanha a trupe do Circo Spadoni numa viagem rumo a Major Isidoro, Alagoas, cidade natal do artista.
“Foi muito emocionante, incrível. A cidade inteira esteve presente nas duas apresentações gratuitas que fizemos. Marcou não só a minha vida, mas como a de todos os membros que participaram”, recorda ele sobre a volta a Major Isidoro acompanhado da família e de sua trupe. O longa é narrado por seu filho Pedro, o palhaço Perereca do Circo Spadoni.
Em dezembro, José Wilson foi um dos reconhecidos pelo Prêmio Funarte Mestras e Mestres das Artes 2023 pelo trabalho na difusão da cultura do circo. A iniciativa busca fomentar e divulgar a memória das artes no Brasil por meio do reconhecimento de agentes de referência para o segmento.
Com a escola prestes a completar 40 anos em novembro deste ano, José planeja manter o projeto por anos a fio e fazer uma comemoração. Para ficar por dentro das atividades do circo e da escola, é só acompanhar as redes sociais.