Alan Souza do Nascimento, 21, mora no Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo, e é apaixonado por música. Apesar de ter síndrome de willians, uma doença rara que afeta o desenvolvimento psicomotor e intelectual, ele aprendeu a tocar 13 instrumentos diferentes e quer dar aulas.
Por conta da enfermidade que não tem cura, Alan não tem a mobilidade completa das mãos e respira com dificuldade. Por outro lado, uma das características da disfunção é a hipersensibilidade ao som, o que pode ser um dos motivos pela facilidade em tocar flauta, sanfona, gaita, pandeiro, cavaquinho, violão, teclado, viola, violão, banjo, bombardino, violino e orgão.
A cartela de músicas vai desde as clássicas como a Sinfonia de Beethoven e Mozart até sucessos da MPB e o estilo gospel. “Meu interesse pela música vem desde a infância, quando tinha três anos. Meus brinquedos favoritos eram os musicais. Fazia baldes e panelas de bateria. Tinha também o cavaquinho e reco-reco de bambu feitos pelo meu avô”, lembra Souza.
Atualmente, os instrumentos que tem foram ganhos por meio de doações de amigos, familiares e de projetos sociais.
Mesmo sem saber ler partituras, foi ao observar as mãos de outros músicos que, aos seis anos, Alan já sabia tocar o hino nacional brasileiro no cavaquinho – instrumento que ganhou do avô.
“Sem dinheiro para comprar os instrumentos que lhe interessavam, pegávamos emprestado com amigos e parentes”, conta a mãe e ex-conselheira da pessoa com deficiência, Silvana Nascimento, 51. “Nem sempre emprestavam, mas quando o viam tocar mudavam de ideia”.
Depois de aprender a tocar cavaquinho, o músico experimentou o bombardino ao participar do projeto Guri – programa mantido pela secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo com cursos musicais para crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos.
“Foi difícil no começo porque é um instrumento de sopro, mas nunca pensei em desistir. Fui aprendendo e me aperfeiçoando. Mas com o tempo devido a minha complicação respiratória tive que parar e migrei para o violino”, relata Souza.
DIAGNÓSTICO
Quando Alan nasceu, a família foi avisada sobre uma estenose aórtica – doença no coração que dificulta o bombeamento do sangue para o corpo. Mas foi aos dois meses de vida que o diagnóstico da síndrome de williams foi identificado.
Segundo Silvana, por ser considerada uma doença rara, os primeiros meses de vida que antecedem o diagnóstico geralmente são duros para a família, já que costumam ser cercados de incertezas. Alguns dos sintomas são irritação constante e problemas digestivos, que costumam ser confundidos com características normais dos recém-nascidos.
Silvana se lembra como algumas pessoas a rotulavam de exagerada e diziam que ela parecia estar procurando problema onde não existia.
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“Quando o diagnóstico chegou quase não tinha relatos sobre a doença. Encontrei dois artigos na internet, mas estavam em inglês e espanhol. Minha cunhada fez a transcrição e a pediatra traduziu a parte técnica”, afirma Silvana. “No Brasil ainda não tinha estudos sobre a doença” .
O jovem faz tratamento no Instituto Dante Pazzanese, na Vila Mariana, e no Hospital das Clínicas, na zona oeste. Este ano, fará uma cirurgia que envolve cortar a parte rompida da aorta.
“É difícil fazer o acompanhamento de uma pessoa com doença rara em UBS (Unidade Básica de Saúde), porque não há todos os especialistas que ele precisa disponíveis. Ele está cadastrado na UBS Jardim Silva Teles, na zona leste, mas não passa regularmente lá”, explica Silvana.
ESCOLA
Aos seis anos, Alan ingressou no ensino musical escolar, mas a falta de material didático adaptado, técnicas para aprender a tocar instrumentos e orientadores capacitados a sua necessidade o fizeram desistir. “Depois da aula, ele jogou a flauta no lixo e disse: ‘Mamãe, eu não quero mais tocar’, aquilo cortou meu coração”, afirma Silvana.
Por conta do incidente, Silvana foi à escola e soube que o filho não estava apto para tocar flauta no coral infantil. “Ele não sabia tocar flauta, pedi que participasse tocando o hino nacional no cavaquinho”, lembra Silvana. “Foi o primeiro preconceito na música que sofreu. Não acreditaram nele até que o viram tocar”.
Atualmente, ele toca na igreja Congregação Cristã no Brasil e também em saraus. Além disso, ele começou a realizar o sonho de dar aulas particulares e lecionou órgão para uma prima.
“Minha vontade é motivar as pessoas. Quero ensinar outros como eu, somos poucos, apenas 20 mil no mundo todo”, ressalta Souza.
Danielle Lobato é correspondente do Itaim Paulista
daniellelobato@agenciamural.org.br
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