Há quase dez anos, Renata Santos, 39, vivia uma cena comum em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Ela era procurada por produtoras de TV e jornalistas interessados em fazer gravações pela comunidade que é a maior favela da capital.
Em 2018, contudo, ela decidiu transformar esse tipo de apoio em uma forma de abrir o próprio negócio. Renata criou o “Quebrada Produções”, uma produtora de locação para audiovisual em Paraisópolis com a ideia de mostrar um lado pouco abordado sobre a região.
“Existe um monte de coisa boa em Paraisópolis”, afirma. “A favela só aparece na TV quando é para mostrar incêndio ou o esgoto a céu aberto”, reforça, enquanto beberica uma caipirinha de maracujá no Bistrô & Café Mãos de Maria, um restaurante sobre a laje da associação de moradores do bairro.
Renata começou a ser procurada por produtores, pelo conhecimento que tem da região. Nascida no bairro e conselheira de órgãos gestores do bairro, ela tinha facilidade para identificar as verdadeiras histórias escondidas entre os becos e as vielas.
No ano passado, a abertura do “Quebrada Produções” simbolizou um novo momento: deixar de ser apenas “condutora” para virar “produtora”. “No Rio de Janeiro, eles cobram para receber a escola de samba no morro, por que aqui não vou cobrar?”, questiona.
“Antes, a gente fica constrangido, com medo de cobrar”, reitera Igor Carvalho, 28, ex-marido de Renata e sócio no negócio.
Se no passado a agora empreendedora chegou a ganhar R$ 150 no fim de um dia de trabalho, que envolvia pesquisa e locação para alguma filmagem, agora a história é outra. “Percebi que poderia cobrar valores justos. A gente briga para que 90% das pessoas estejam envolvidas na produção”, conta.
No entanto, Renata afirma não querer embelezar a favela. “Eu falo favela mesmo. Como aqui pode ser chamada de comunidade se ainda existe casa de palafita e esgoto a céu aberto?”.
A produtora atua com moradores locais e costuma indicá-los quando algum cliente está com uma vaga de trabalho. No último ‘job’ [única palavra em inglês à qual diz se render], três meninos seguiram como ajudantes de produção e figurantes numa produção para a qual assinou contrato de confidencialidade.
No portfólio da empreendedora constam trabalhos para marcas conhecidas de refrigerante, barbeador e até filmes e séries.
Antes de dar vida ao audiovisual no “Quebrada Produções”, o universo da produção não estava alheio à empreendedora, que já realizou desde festa de debutantes a campeonatos de futebol.
Para ela, porém, ser empreendedor tem pontos positivos e negativos. “Tem períodos que ficamos até dois meses sem trampo”, relata. “Ser MEI (Microempreendedor individual) facilita, ao permitir a emissão de nota, sem precisar de um contador. Mas limita se ultrapassar o valor anual de R$ 81 mil [ao ano]”. Quem recebe mais do que essa quantia em um ano, muda o status para Microempresa e passa a pagar 6% de Imposto de Renda.
Por outro lado, Renata considera que o mercado ainda é machista e ainda há uma dificuldade em conseguir formalizar moradores do bairro. “Sou a única mulher na minha equipe”, diz. “Muita gente que mora na periferia não tem nem documento da moradia ou renda fixa”, completa.
Antes de empreender, Renata passou por vários desafios. Engravidou aos 18 anos do filho, Lucas. Também teve uma passagem pela prisão, ao tentar levar drogas para o ex-companheiro que estava preso em 2006. Esse passado, para ela, serve de exemplo de que é possível superar as barreiras sociais das periferias.
“Quero mostrar que é possível. Sou dona de casa, mãe, filha, conselheira e ex-presidiária. Acordo com a dificuldade estampada na minha cara”, diz.
O lado positivo é a notoriedade da favela. O modelo de negócio, ela sonha, espera ser replicado a outras regiões. “Queremos chegar a todas as favelas”. Carvalho, o companheiro de trabalho, espera ir além. “Nosso sonho é chegar a Hollywood”.
Sem site próprio e pouco investimento nas redes sociais, o casal trabalha com base em indicações, no boca a boca.
Ela conta que tem como inspiração a própria mãe que era empregada doméstica e veio de Minas Gerais para São Paulo. Ela quer servir de exemplo para outras mulheres periféricas.
“Pelo fato de não termos formação, precisamos estar um passo à frente”, completa ao se referir à imagem estereotipada de quem trabalha na periferia.
Esse passo à frente está em todos os trabalhos em que é contratada. O dia a dia de Renata vai desde de definir os locais e as pessoas para as gravações até a contratação de figurantes e outros serviços. Após a equipe formada, que chega a somar 20 pessoas, um grupo no WhatsApp facilita a comunicação.
No último trabalho, ela conta ter surpreendido o cliente que fez gravações no bairro. “Ficaram impressionados. Acho que não esperavam que eu tivesse contratado bombeiro, conselheiro tutelar e tradutor de inglês. Todos da favela”, orgulha-se. “Me disseram: vocês são produtores de verdade”, comenta.
Por outro lado, ela enfatiza: é preciso respeitar os moradores. “Se quer a comunidade como cenário, o morador tem direito de negar. Tudo precisa ser acordado antes. Não é só sair sacando a câmera para qualquer lugar”, afirma.
Um dos sonhos de Renata agora é produzir o próprio filme, que já tem um tema definido. “Quero fazer um documentário sobre a história de Paraisópolis”.
#PenseGrandeSuaQuebrada é um esforço coletivo do Programa Pense Grande, iniciativa da Fundação Telefônica Vivo, em parceria com o Alma Preta, Desenrola e Não Me Enrola, Historioriama, Periferia em Movimento e a Agência Mural de Jornalismo das Periferias com o objetivo de democratizar a linguagem e o acesso das juventudes periféricas ao ecossistema de #EmpreendedorismoSocial.