A construção do Parque Linear do Cantinho do Céu, localizado no distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo, está com as obras 85% concluídas. No entanto, o projeto de reurbanização trouxe a necessidade de remover os loteamentos que estavam presentes na área e os últimos habitantes da região apontam dificuldades para conseguir uma nova moradia.
“Quem chegou aqui primeiro foi indenizado, mas quem está saindo agora não tem outra opção além dos prédios”, diz a assistente social Josiane Ribeiro dos Santos, 47.
Segundo informações da Prefeitura, das 628 famílias que viviam em área de risco na região das obras, 174 encontram-se em auxílio aluguel. Outras 388 foram encaminhadas para o Residencial Espanha, no Jardim Apurá, 59 para o Empreendimento Chácara do Conde, no Jardim São Bernardo, em outros pontos da zona sul. Sete receberam indenização das benfeitorias.
No entanto, Josiane firma que pode haver subnotificação de quantas famílias moravam no local, já que muitas casas tinham os chamados “puxadinhos”, ou seja, quando existe mais de uma casa no mesmo terreno.
“Algumas pessoas que receberam a indenização continuaram morando aqui no bairro, mas outras se mudaram para o Jardim Noronha ou o Jardim Apurá. Os que ficaram, só não podem comprar casa onde vai ser retirado de novo. A minha casa mesmo será retirada, pois se encontra na área de risco”, relata.
A Prefeitura de São Paulo, junto a Defesa Civil, é a responsável por realizar o monitoramento e o mapeamento das moradias que se encontram expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações na região. As principais áreas de risco são aquelas sob encostas de morros inclinados ou à beira de rios e represas.
“A minha casa não está a 50 metros da represa, mas a casa do vizinho se encontra nessa situação. Com a retirada da casa dele, a minha fica solta, então automaticamente vou precisar sair”, diz.
Obra
A obra é a extensão do Parque Linear do Lago Azul, inaugurado em 2011 e faz parte do Programa de Urbanização de Favelas. A iniciativa foi apontada como uma referência mundial na reurbanização no 27º Congresso Mundial de Arquitetos, um dos principais eventos da categoria.
Localizado às margens da Represa Billings, o projeto foi elaborado pela Secretaria Municipal de Habitação, em parceria com a Promotoria Pública, com o objetivo de preservar as áreas mananciais.
De acordo com informações da Prefeitura de São Paulo, 90% do território está inserido em áreas de proteção aos mananciais responsáveis pelo abastecimento de 30% da população da região metropolitana de São Paulo.
Apesar da melhoria para a região, a questão da habitação ainda afeta famílias que vivem no entorno. A situação mais crítica se encontra na Rua Cidral, pois os moradores construíram casas em uma barragem de aterro.
A moradia de Lusía, 35, é a única que se encontra perto da construção no local que se tornará um píer no futuro. Desempregada e sem dinheiro para pagar o aluguel, ela construiu a própria casa com madeiras e reside no local há 8 meses com os 4 filhos.
“Com a pandemia, parou tudo e não estou conseguindo trabalhar de forma alguma. Minha renda hoje é o Bolsa Família. A gente dá graças a Deus por ter o barraco, mas a situação é muito difícil”, diz.
Antes de construir a casa atual, a moradora havia comprado um terreno por R$ 800 perto daquela região. Por morar em um local que era considerado “debaixo d’água”, ela não conseguiu selar a casa para realizar o cadastro onde conseguiria o auxílio-aluguel.
“Eu tinha comprado um terreno e construído, mas a represa subiu e inundou a minha casa. Tive que sair de onde estava e ir para o aluguel. Mas como o preço subiu muito, tive que vir pra cá”
O sonho dela no momento é ganhar um apartamento concedido pela Prefeitura, já que ela afirma que não conseguiria viver apenas com os R$ 300 mensais do benefício.
Marli da Conceição Oliveira, 30, é outra moradora que se vê insegura em relação ao futuro. Ela comprou um terreno há 4 meses no valor de R$ 3,000 junto com o marido, que é catador de recicláveis. “Também comprei areia para fazer o chão e umas telhas, mas elas voaram por causa do vento da represa”, conta.
Ela conseguiu instalar água na casa recentemente. Antes disso, a família não tinha acesso ao banheiro e tinha que tomar banho na casa de uma vizinha. A moradora enfrentou a falta de saneamento básico enquanto estava grávida do filho, que agora está com dois meses.
“Foi a maior dificuldade, porque quando a gente tem um neném, a gente fica bem debilitado. E ainda continua sendo difícil, porque com ele aí eu fico com medo de entrar cobra ou ratos”, diz receosa.
A moradora também espera que depois dali, consiga um lugar para morar. Assim como Lusía, ela investiu todo o dinheiro que tinha na compra do terreno. Atualmente, a Secretaria Municipal de Habitação dá o benefício do auxílio-aluguel para mais de 21.500 pessoas na capital.
“As pessoas que não tem moradia acabaram construindo, mas devido à área de risco vão precisar sair. A Prefeitura está selando as casas para confirmar quem está morando naquele local”, relata Josiane Ribeiro.
Em resposta a reportagem, a Prefeitura de São Paulo afirma que o investimento total da obra até o momento foi de R$ 67,1 milhões, dos quais R$2.5 milhões por parte da Sabesp. As obras serão finalizadas até 2024.
A SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), também parceira nesta ação, firmou convênio para a ampliação da rede de esgoto e ligação da rede de água na região do entorno das Represas Guarapiranga e Billings.
Dentro desta parceria, em vigor desde novembro de 2021, já foram instalados 1.910 metros lineares de rede de esgoto e 54 ligações domiciliares no Cantinho do Céu. Como resultado destas obras, 2.977 pessoas já foram beneficiadas.
Para este ano estão previstas mais 100 ligações domiciliares de esgoto e mais 140 para o próximo ano. Também estão previstas 420 ligações de água.