Questão essencial para o problema da habitação em São Paulo, a recuperação do centro como espaço de moradia é uma das principais discussões urbanas da capital. Dados dos Censos do IBGE de 2000 e 2010 mostram que os bairros da região, situados na subprefeitura da Sé, estão voltando a ser ocupados, contrapondo o “esvaziamento” observado em décadas anteriores.
Degradada, a região central perdeu, entre 1980 e 1990, cerca de 30% de sua população. Foram precisamente 179.584 habitantes, a maioria de classe média e alta, atraídos pelos condomínios fechados e afastados dos “perigos da cidade”. Nos últimos dez anos, porém, houve um crescimento demográfico de 15% na região, o que significa um ganho de 65 mil pessoas.
Mas, para que famílias de baixa renda se somem aos atuais 1,3 milhão de habitantes que vivem nessa área da cidade, usufruindo da mais alta qualidade de acesso à transportes públicos e espaços tradicionais de cultura, além de contar com a proximidade do emprego, são necessárias políticas públicas que viabilizem a produção de moradia de interesse social. É o que apontam especialistas.
“Esse repovoamento do centro tem feito com que os valores dos terrenos e alugueis subam de preço. Isso está dificultado ainda mais que pessoas de baixa renda venham morar no centro. É aí que os governos entram através de mecanismos que garantam o acesso dessa população a estes imóveis”, explica Margareth Uemura, membro do Conselho Municipal de Habitação e coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis.
Para lidar com este quadro, uma nova proposta de Plano Municipal de Habitação (PMH) foi apresentada pela Prefeitura no final de junho e ficará disponível para consulta pública online até outubro. A ideia do PMH é a construção de soluções locais, de médio e longo prazo, que seja capaz de atender as particularidades de cada tipo de demanda oferecendo diversas modalidades de moradia.
Entre novembro e dezembro, serão realizadas audiências públicas e, somente depois disso, com o recolhimento e compilação das propostas apresentadas nestes debates, um projeto de lei será encaminhado para a Câmara Municipal. Veja aqui o caminho o PMH vai fazer na Câmara Municipal.
O plano de habitação anterior, publicado em 2009, já havia sido considerado um importante avanço para a cidade, mas não foi aprovado em lei e ficou defasado com a divulgação dos dados censitários do IBGE, no ano seguinte. Além disso, explica Uemura, é natural que sempre que a cidade rever seu Plano Diretor Estratégico, como ocorreu em São Paulo no ano de 2014, também reavalie, através de um processo participativo, seus planos setoriais, como o de habitação, o de mobilidade e o de saneamento.
“O diferencial deste plano é que ele está priorizando o atendimento de pessoas de baixa renda na área central. Com isso, você combate, por exemplo, o cortiço, que é a forma que a população de baixa renda achou para morar nesta área”, pondera a especialista.
É o caso da atendente de telemarketing, Railucy Andrade, 35. Deixou Olindina, município a 200 km de Salvador (BA), há seis anos para tentar uma vida melhor na capital paulista. Desde então, paga R$ 500 em um quarto de cortiço no bairro da Santa Cecília. Apesar de o valor ser equivalente ao aluguel de uma casa de três cômodos na periferia e a despesa com a locação consumir 55% de seu salário, Railucy diz que prefere a proximidade do metrô e explica que somente ali conseguiu a locação sem ter que apresentar carteira de trabalho ou fiador.
“Quando cheguei, até fui morar com meu irmão, que mora pra lá de Santo Amaro, mas como tinha conseguido um bico na Barra Funda, era difícil vir todo o dia. Daí, uma conhecida me disse que tinha esse quartinho aqui pra alugar. E como não era registrada na época, tive que ficar”, conta.
Segundo dados do Plano Municipal de Habitação de 2009, a cidade tem mais de 80 mil domicílios em cortiços, sendo a maioria no centro. A política para este tipo de problema prevista no plano se divide entre reformas, revisão da Lei Moura, que regulamenta os parâmetros mínimos de habitação em um cortiço, e o atendimento aos moradores através de serviços de locação social – moradias disponibilizadas pelo governo para serem alugados com subsídio da prefeitura.
Urbanização de favelas
Para Benedito Barbosa, advogado da União do Movimento de Moradia, outro elemento importante a destacar nesse Plano é a incorporação de uma política fundiária para habitação. Segundo Barbosa, a ideia é articular de forma direta as ações dos programas habitacionais com os instrumentos que já existem na política fundiária. “Existe já uma série de legislações no Brasil que garantem o direito para as famílias que moram em favelas e áreas ocupadas, públicas ou privadas, a ter acesso à moradia através de um processo de regularização fundiária. O problema é que precisa de uma política permanente, sistemática e continuada, independente de quem estiver governando”, explica.
Dados de abril deste ano do Habisp (Sistema de Informações para Habitação Social de São Paulo) apontam 445.112 domicílios em favelas na cidade. Apesar de o centro ter o menor número de moradias desta categoria – uma diferença que chega a 120 vezes comparando a subprefeitura da Sé (433) com a do Campo Limpo (58 mil), segundo o Observatório Cidadão, da Rede Nossa São Paulo -, políticas fundiárias e de urbanização para esta população também estão contempladas nesta nova proposta.
Foram pensadas desde ações de urbanização, pequenas e complexas, a um programa que facilita a aquisição da posse do terreno ou da propriedade pelos moradores.
No entanto, os moradores da favela do Moinho, no bairro do Bom Retiro, já estão cansados de “promessas no papel”. Há anos, eles aguardam uma posição da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) sobre o projeto de urbanização e regularização fundiária que já havia sido prometido às famílias da comunidade.
“O papel aceita tudo. Uma coisa é apresentar um planejamento no papel outra coisa é você trazer isso para a realidade concreta das pessoas. Estamos cansados de negociações e promessas da secretaria de habitação. Você pode ver que o pouco que temos aqui foi um conquista dos próprios moradores”, explica Alessandra Moja Cunha, líder comunitária.