Diariamente é noticiado na televisão casos de policiais tirando a vida de pessoas pretas e periféricas. Na última sexta-feira (4) de julho, um caso em especial me chamou atenção: Guilherme Dias Santos Ferreira, 26, foi “morto por engano” após um policial militar o “confundir” com um bandido em Parelheiros, na zona sul de São Paulo.
Guilherme carregava uma marmita, talheres, um livro e a roupa de trabalho na mochila. No momento em que o disparo foi efetuado, o jovem corria para pegar o ônibus para voltar para casa. E entre tantos casos, fiquei me perguntando por que esse especificamente me chamou a atenção?
Não precisei refletir muito para entender. Desde que me conheço por gente ou desde que me percebi como uma mulher negra e periférica, tomo alguns cuidados para que, assim como Guilherme, eu não seja confundida.
Recentemente, estávamos meu namorado, homem preto, e eu, caminhando em um bairro nobre de Pirituba, na zona norte de São Paulo, após um passeio no parque.
Usávamos roupas de treino, nada muito elaborado, e então tive a brilhante ideia de filmar as casas da rua para mostrar para meus amigos o quanto elas eram bonitas, porém, no mesmo instante me corrigi e guardei o celular.
Pensei comigo: “E se essas mansões, cheias de câmeras, são assaltadas? E se eles vêem na câmera duas pessoas pretas, que não moram ali, gravando as casas? Claro que vão achar que fomos nós!”
Ficar atento a como se comportar em mercados ou em restaurantes é algo comum no nosso dia a dia @Magno Borges/Agência Mural
Para quem é uma pessoa branca isso vai parecer uma bobagem ou uma paranóia sem fim, daquelas que precisam ser tratadas na terapia.
Mas, para quem é uma pessoa negra, o entendimento será imediato.
O medo de “ser confundido” é tão grande que não conseguimos agir com naturalidade boa parte do tempo em lugares comuns como mercados, shoppings, restaurantes e lojas no geral.
Sair do mercado sem comprar nada pode ser uma tarefa difícil. Automaticamente surgem na cabeça vários questionamentos e o medo de um segurança achar que estamos roubando. O medo de parecer um suspeito é tanto que às vezes a gente fica mesmo parecendo um.
Quando o assunto é restaurante chique, sempre surge um questionamento interno: “Será que vão achar que não tenho dinheiro pra pagar a conta?”. Esse é, de fato, um pensamento desestimulante. Já deixei de entrar em vários lugares que queria muito conhecer por receio do que iam pensar de mim, se seria maltratada e se me sentiria desconfortável.
Correr na rua então? O que pra muitos é uma simples atividade saudável, para nós, muitas vezes é correr o risco de acharem que você está fugindo de algo. Principalmente se na sua frente tem uma pessoa branca correndo também.
No inverno, o cuidado é redobrado e a preocupação com os nossos também. Meu pai, também homem preto, ganhou da minha mãe neste inverno uma jaqueta preta com touca para ir trabalhar.
Para mim, é inevitável não pensar nos perigos de um homem preto, que vai para o trabalho às 4h da manhã todos os dias, estar na rua de jaqueta preta e com touca.
Esses dias, inclusive, li um post de Instagram do cientista social Rodney William uma mensagem que dizia: “Há pessoas que não podem usar toucas, carregar furadeiras ou guarda-chuvas, circular tranquilamente em bairros nobres ou shoppings de alto padrão, pessoas que apresentam riscos mesmo quando estão apenas saindo do trabalho”.
No fim, é fácil entender o que me tocou tanto no caso do Guilherme…
