Quem nunca ficou ansioso por um passeio numa tarde ensolarada, uma ida para a praia ou a piscina, e teve que cancelar os planos por conta de uma pancada de chuva inesperada? Mais janeiro que isso, impossível. O período de férias escolares em boa parte do Brasil é marcado por essas duas características, de muito calor e muita chuva.
Contudo, o ano começou um pouco diferente na capital paulista. Fez frio, algo atípico para essa época do ano. De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), os dez primeiros dias do ano tiveram uma média de temperatura máxima de 23,9°C, a menor média desde 1965.
A responsável por esse frio fora de época foi a La Niña, um fenômeno não tão conhecido quanto o El Niño, que sempre acaba aparecendo no noticiário.
Mudanças climáticas e desastres ambientais
Este fenômeno [La Niña] foi um dos responsáveis, inclusive, pelas enchentes e deslizamentos que vitimaram mais de 234 pessoas em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, em fevereiro do ano passado.
Assim como no caso de Petrópolis, as mudanças climáticas também trazem um contexto de vulnerabilidade para as regiões periféricas da Grande São Paulo.
Rafael Ruiz Magno Mariano, de 9 anos, é morador de Pirituba, na zona noroeste de São Paulo. Apesar da pouca idade, já entende os riscos que as fortes chuvas podem acarretar, inclusive, na região onde mora.
“Aqui perto de casa, tem uma avenida, umas ruas para baixo, que alagam. Aqui é morro e a água desce. Fico com dó das pessoas que perdem as casas porque a avenida alaga”
Rafael Ruiz Magno Mariano, 9 anos
Além da preocupação com as regiões de alagamentos, a rotina de chuvas tem mudado os hábitos do Rafinha: “brinco de esconde-esconde com meus amigos dentro de casa mesmo. Mas depois, quando para de chover, eu jogo bola lá no campo”.
O coordenador do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, JP Amaral, explica porque estes desastres acontecem em áreas periféricas, de maior vulnerabilidade.
“Quando a gente vê deslizamentos nessas regiões [periféricas], perguntamos se não tem em bairros centrais. Por exemplo, como em Pompéia, [distrito de] Perdizes [na zona oeste], tem aquele monte de morros e não acontece deslizamentos ou outros problemas, justamente por ter infraestrutura urbana.”
Dentro desta temática, uma das preocupações é compreender como estes desastres afetam, também, a infância. Atento a essa questão dentro do instituto, JP Amaral enfatiza que a melhor forma de falar com as crianças sobre o tema é fazendo com que elas se aproximem da natureza, inclusive por meio de brincadeiras.
No primeiro episódio do podcast Tamo em Crise, conversamos com o Rafinha e o JP e explicamos como as chuvas e a crise climática podem impactar diretamente no desenvolvimento das crianças nas periferias. Confira!
Por trás do fenômeno ambiental
“Nós estamos em um período de La Niña prolongado, indo e voltando desde 2021. Isso promove chuvas irregulares em São Paulo, períodos secos intercalados com pancadas fortes”, explica Helena Balbino, que é meteorologista do Inmet.
Segundo Helena, tanto La Niña quanto El Niño são semelhantes não só no nome: “eles fazem parte de um ciclo climático natural e global conhecido como El Niño-Oscilação Sul. Este ciclo global tem dois extremos: uma fase quente conhecida como El Niño e uma fase fria, conhecida como La Niña.
A La Niña, responsável por este frio em janeiro, é consequência de uma grande quantidade de ventos alísios, que são massas de ar quente e úmido que geram o resfriamento da superfície do mar, provocando muitas nuvens e a incidência de chuvas.
Já o El Niño é o contrário disso. Ele é causado pela diminuição desses ventos, o que faz com que as águas do oceano fiquem mais quentes. Este fenômeno é um dos responsáveis tanto pelo excesso de chuvas nas regiões sul e sudeste quanto pela seca no nordeste, e também pelo calor acima da média na Europa.
“O que é surpreendente é que essas mudanças nas temperaturas da superfície do mar não são grandes, mais ou menos 3°C e geralmente muito menos. No entanto, essas pequenas mudanças podem ter grandes efeitos em nossos padrões climáticos globais”, explica Helena.
A título de curiosidade, o El Niño recebeu esse nome por ter sido observado por pescadores peruanos e tem relação com a época do ano em que costuma ser mais frequente.
“Em um período atípico, esses pescadores notaram uma baixa produtividade pesqueira associada a correntes de água mais quentes do que o habitual para a época do ano. Como o período de observação dos pescadores foi próximo do Natal, atribuiu-se o nome El Niño (menino, em português) ao fenômeno, uma referência ao menino Jesus.”
Menos chuvas
E o frio não foi a única consequência causada pela La Niña em São Paulo. Pode não parecer, mas choveu bem menos na capital neste mês de janeiro que em anos anteriores.
“Até o dia 26 de janeiro houve um acumulado de precipitação de 178 mm na estação Mirante de Santana. O normal climatológico para o mês de janeiro é de 262,9 mm”, conta Helena.
Assim como o El Niño é responsável por chuvas intensas no sudeste e períodos de seca no nordeste, o contrário é observado quando La Niña atua sobre o clima.
O fim de 2022 foi de fortes enxurradas em diversos municípios da Bahia, deixando parte do estado em situação de emergência. Por lá, o período mais chuvoso costuma ser entre os meses de abril e junho.
Para fevereiro, Helena conta que os modelos indicam que as chuvas devem continuar no mesmo ritmo que no primeiro mês do ano: “a precipitação pode ficar até 10 a 50 mm abaixo do padrão, embora seja um mês que a gente espera ter um pouco mais de chuva”.
“Sendo assim, as temperaturas podem ficar um pouco acima da faixa normal. Em um verão com menos coberturas de nuvens, a radiação solar vai atingir mais diretamente a superfície da terra”, conclui a meteorologista.
Esta reportagem foi produzida com apoio daReport For The World