A diversidade de ideias para um objetivo em comum, é assim que se constrói um mandato coletivo. E nas eleições de 2022, há um recorde desse tipo de candidatura em todo país: 213 no total. No estado de São Paulo, são pelo menos 41 chapas coletivas contabilizadas.
Entre elas está a Bancada Feminista (PSOL), com as integrantes Paula Nunes, Carolina Iara, Mariana Souza, Sirlene Maciel e Simone Nascimento, para a vaga de deputada estadual. Segundo Paula, todas as integrantes fazem parte das periferias da capital paulista e as questões identitárias permeiam as propostas delas.
“Temos diferentes relações com movimentos sociais, para além do feminismo negro, que tem a ver com a luta pela educação pública de qualidade, contra a violência policial nas periferias e violência doméstica, e pela vida das [pessoas] LGBTs”, diz Paula, que cresceu em Sapopemba, na zona leste, e mora no bairro Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo.
Mandatos como esse começaram a se destacar em 2016. Dois anos depois, em 2018, a Mandata Ativista foi o primeiro coletivo eleito no pleito para a Alesp (Assembleia Legislativa do estado de São Paulo).
Paula Nunes e Carolina Iara (citadas acima), são covereadoras pela Bancada Feminista do PSOL que ocupou uma vaga na Câmara de São Paulo em 2020. Encabeçado por Silvia Ferraro, o mandato coletivo foi eleito com 46.267 votos.
Do mesmo partido, Elaine (Cristina Mineiro) do Quilombo Periférico, também foi eleita com 22.742 votos naquele ano.
Partidos e candidaturas
De acordo com o JOTA, há 28 candidaturas coletivas para deputado estadual em São Paulo, 12 para deputado federal e uma para senador (Mancha Coletivo Socialista, do PSTU).
É possível perceber que as candidaturas compartilhadas se concentram à esquerda no espectro político. O PSOL, por exemplo, tenta repetir em 2022 o feito das eleições passadas com 11 candidaturas. Para o cargo de deputado federal, o PT aparece como o partido com mais chapas (três).
Como funciona um mandato coletivo?
Na urna o número é um só, porém abrange um grupo que em tese compartilhará as decisões e o mandato por quatro anos.
Apesar desse tipo de candidatura ainda não estar prevista por lei, o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) não vê irregularidades e apresenta uma resolução que permite uma candidatura ser divulgada como iniciativa de um grupo ou coletivo, composto por qualquer número de participantes.
Assim como nas eleições anteriores, além do nome do candidato que assumirá o cargo de forma oficial, o nome do coletivo também aparecerá na urna.
Uma vez eleitos, o titular da candidatura em grupo será o responsável por assinar os relatórios, estar presente no plenário e receber o salário.
De acordo com o cientista político e diretor do Instituto MAS Pesquisa, Marcos Agostinho Silva, geralmente ocorre um contrato formal entre os integrantes para que sejam respeitadas as vontades do grupo e que todos participem da maneira que possam e queiram se comprometer.
“Eles não necessariamente vão ocupar os cargos, mas a ideia é que seja desenhado todo um plano que contemple a todos”, explica.
Com a mudança do TSE e o aumento das candidaturas, o especialista diz que é uma forma de oferecer espaços que antes não eram ofertados.
“Essa nova medida e ter mais essa opção do mandato coletivo é uma forma de letramento da reexistência, em que se discute pautas importantes para a periferia"
Marcos Agostinho Silva, cientista político
As dificuldades das decisões coletivas
Na prática, realizar um mandato coletivo tem suas dificuldades e podem surgir incompatibilidades entre os membros. É o caso da Mandata Ativista (PSOL), que iniciou com Monica Seixas como titular – junto a Anne Rammi, Chirley, Pankará, Paula Aparecida, Jesus dos Santos, Fernando Ferrari, Claudia Visoni e Raquel Marques.
Teve desfalques, entre afastamentos por saúde mental e busca por nova disputa de eleição, além do caso de exoneração de Jesus dos Santos e expulsão da Raquel Marques por publicações consideradas ataques à luta LGBTQIA+.
“Os integrantes não se conheciam, depois da eleição, talvez pelas diferenças partidárias ou de experiência de vida. Ocorreram muitas divergências em pautas, pelas quais fomos eleitos para defendermos, como as questões LGBTQIA+, por exemplo”, relata Monica.
Atualmente, ela concorre por um outro mandato coletivo à vaga de deputada estadual, com o movimento Pretas (Rose Soares, Ana Laura Oliveira, Karina Correia, Letícia Chagas, Najara Costa e Poliana Nascimento). Segundo a candidata, o conhecimento prévio entre elas pode facilitar a tomada de decisões.
“As Pretas já são um coletivo, tomam decisões em conjunto e priorizam as mesmas pautas, que tem sempre a periferia como centro. O desejo principal é abrir mais espaço na Alesp e ampliar a presença de mulheres negras em um lugar predominantemente hétero, branco e machista”, defente.
Para Monica, ter o mandato coletivo como opção para o eleitor é uma forma de pensar de forma mais ampla, e cita a “pluralidade de pautas e territórios”. As Pretas são das periferias de Osasco, Barueri e Taboão da Serra, por exemplo.
Sem regulamentação, mas há regras
Enquanto não há uma regulamentação pelo TSE, tramitam no Congresso dois projetos para que os mandatos coletivos funcionem com mais regras. Entre eles, está a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 379/17, da deputada licenciada Renata Abreu (Podemos-SP), em que permite a existência do mandato para qualquer disputa eleitoral.
A outra proposta é do deputado André Figueiredo (PDT-CE), em que o texto fala da criação dos coparlementares para dividir o poder de decisões com o parlamentar eleito à frente ao mandato.