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Onde estão as Delegacias da Mulher de São Paulo?

Por: Ana Beatriz Felicio e Wallace Leray

Era véspera do Natal de 2015 quando Paola*, 28, passou um dos momentos mais aterrorizantes da sua vida. A jornalista começou a ter desentendimentos graves com o ex-marido naquela noite e foi agredida. Ela teve hematomas por todo corpo e o cabelo cortado pelo agressor.

“Eu fiz corpo de delito no dia seguinte mesmo, fui na delegacia da mulher porque eu já era uma pessoa mais bem-orientada e não era a primeira vez que eu passava por uma situação assim”, lembra.

Ela teve um relacionamento de 10 anos com o ex-companheiro. No total, fez mais de 10 boletins de ocorrência contra ele. “Precisei utilizar a delegacia da mulher diversas vezes. Em Guaianases, onde eu moro, não tem nenhuma. Eu precisei ir na do Aricanduva [11 km dali] que era a mais próxima que tinha”, relata.

A estudante de medicina, Manoela*, 26, também precisou se deslocar para conseguir fazer um boletim de ocorrência depois de sofrer uma agressão. A moradora de Osasco, na Grande São Paulo, saiu de casa para estudar e depois de desentendimentos e ameaças da mãe, acabou sendo agredida fisicamente.

Primeiro procurou a Delegacia da Mulher da cidade, mas como o local estava sem sistema, não conseguiu fazer o Boletim de Ocorrência. No dia seguinte, precisou ir a duas delegacias comuns até obter a orientação correta e registrar o boletim, o que a permitiu fazer o exame de corpo de delito.

Assim como Paola e Manoela, diversas mulheres brasileiras sofrem com violência de gênero. De acordo com dados do Mapa da Violência, o país é o 5º que mais mata mulheres no mundo. Buscando oferecer uma forma de atendimento especializado em casos assim, nasceram as DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher). A primeira surgiu em 1985, na região central de São Paulo.

Atualmente no Estado existem 133 delas, sendo nove na capital e 19 na região metropolitana. Todavia, apenas duas funcionam 24 horas – a DDM da Sé, no centro, e a de Sorocaba, no interior. Para as mulheres das periferias, a questão da localização aliada com o fato da maioria das DDMs só funcionar durante o horário comercial, pode ser um obstáculo na hora de fazer a denúncia. Nesta sexta-feira, 8 de março, a secretaria anunciou que mais quatro unidades passaram a funcionar em período integral.

DELEGACIAS DA MULHER NA CAPITAL

LEI VETADA

No dia 10 de janeiro de 2019 o Governador do Estado, João Doria (PSDB), vetou o projeto de lei nº 91/2017, que previa o funcionamento ininterrupto destas unidades. De acordo com o Governo do Estado, o projeto é inconstitucional, porque previa que a Secretaria da Segurança Pública fornecesse às DDMs os recursos materiais e humanos que seriam necessários para o aumento da carga horária, o que deveria ser proposto pelo executivo.

“É no período noturno e nos fins de semana e feriados que acontece o maior número de violência contra as mulheres e elas não têm a quem recorrer”, diz a deputada Beth Sahão (PT), autora do projeto.

Ela criticou o veto e disse que o governador está mais preocupado em ser o autor da proposta. “Ele demonstra uma falta de compromisso e de palavra, sobretudo, com as mulheres que sofrem com a violência doméstica”, comenta Sahão.

Dados do mapa da violência mostram que em 2014, no estado de São Paulo, cerca de 28 mil mulheres foram atendidas no SUS (Sistema Único de Saúde) por terem sofrido agressões. Uma das promessas de Doria durante a campanha era justamente melhorar e aumentar o tempo de atendimento das DDMs.

Depois do veto em 18 de janeiro, o governador anunciou em seu twitter que entregará até o final de fevereiro mais três delegacias com funcionamento de 24 horas. A primeira delas, em Sorocaba, interior paulista, foi inaugurada no dia 30 de janeiro. As demais estão previstas para Santos, no litoral, e na zona norte da capital. A promessa de campanha foi de implantar 40 DDMs ao longo de quatro anos.

Governo promete mais unidades (Magno Borges/Agência Mural)

ATENDIMENTO

Em uma das vezes que necessitou dos serviços de segurança pública do Estado, Paola chegou a ir em uma delegacia convencional que fica ao lado de casa, mas a ajuda foi negada. “Eles falaram que nesse caso eu não tinha que ir lá e sim numa delegacia da mulher. Eles passam o endereço e você tem que ir sozinha mesmo”, diz.

A advogada e presidenta da União de Mulheres do Município de São Paulo, Rute Alonso da Silva, diz que é obrigação de qualquer delegacia pelo menos registrar o boletim de ocorrência.

“Mas infelizmente as pessoas são incentivadas a não fazer a ocorrência, muitas vezes eu já ouvi isso: ‘O sistema caiu’.. ‘Não tem gente’… ‘A expectativa de espera é de seis horas’. E o que sempre falam é que não é da região, não é uma delegacia específica, então não vai ser registrado”, conta.

Para Paola, pela falta de delegacias da mulher nas periferias, as unidades convencionais poderiam dar mais suporte às vítimas pois nem sempre elas têm condições de se deslocarem até a especializada. “É lá [na periferia] que mais acontecem as agressões, as chances de pegar no flagra as agressões seriam maiores”.

Por mais que não tenha conseguido fazer o Boletim de Ocorrência, Manoela destaca que o atendimento que teve na Delegacia da Mulher foi muito diferente do recebido na comum. “Lembro que tinha um rapaz e duas moças, não sei se eram policiais ou psicólogas. Cheguei chorando muito, parecia que eu estava chegando em um local para desabafar. Gostei muito da postura delas, eu achei elas cuidadosas, pegaram água para mim, conversaram comigo. O atendimento foi muito humano”.

No outro dia, quando procurou uma delegacia comum, alega ter ido “de um extremo para o outro”, em relação ao atendimento. “Achei o primeiro policial que me atendeu muito debochado, ele perguntou o que eu fui fazer. Estava toda roxa. Ele quis dizer que eu fui procurar ‘sarna’, sabe? Não gostei do tom”.

Entretanto, a estudante conta que na Delegacia da Mulher havia recebido uma informação equivocada sobre o funcionamento de abertura do processo e foi apenas na comum que conseguiu compreender como a Lei Maria da Penha funcionava, registrar o Boletim de Ocorrência e ter o encaminhamento para fazer o exame de Corpo de Delito.

De acordo com Ruth, algo que dificulta o atendimento nas DDMs são as condições de trabalho de quem atua nessas delegacias. “É uma queixa das trabalhadoras da delegacia em relação a estrutura, que não tem investimento, não tem pessoas qualificadas para trabalhar, da ampliação de quadro até para fazer a investigação, é uma características comuns das delegacias”, diz.

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ACESSO À INFORMAÇÃO

Paola ressalta que é preciso espalhar mais informações para as mulheres que vivem nas periferias. “Muitas acham que chegar em casa com o boletim é ameaçador e que vão apanhar mais, porém podemos fazer tudo quietinha e na hora certa sair dessa situação”.

Rute Alonso diz que é necessário mais divulgação dos canais de atendimento. “Quais são as delegacias que as mulheres podem acessar? Quais os outros serviços que podem acessar? É lógico, os outros serviços não vão instalar o processo criminal mas pensar na proteção dessas mulheres”, afirma.

Mas, para a advogada, o enfrentamento à violência contra mulheres deveria ser mais profundo, indo além do atendimento das delegacias.  “Precisa investir em políticas públicas de moradia, de saúde adequada, defesa e convivência de mulheres, sendo referências para as mulheres. Educação de qualidade, discussão de gênero na escola, são formas que eu acho muito mais eficazes”, conclui.

*Nomes trocados para proteção das fontes

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