A Capela de São Miguel Arcanjo, templo religioso mais antigo do estado, é o símbolo histórico de São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo. Na porta de entrada da igreja está marcado 18 de julho de 1622, considerada por historiadores como a data de conclusão da igreja e, portanto, a fundação do bairro.
No entanto, uma nova investigação aponta que a primeira referência da região não é a entrega da capela em 1622, mas a chegada do padre José de Anchieta à vila de São Paulo de Piratininga (atual cidade de São Paulo) e à pequena aldeia de Ururaí (que passou a ser São Miguel).
Cartas escritas por Anchieta, a partir de 1560, e enviadas para a Companhia de Jesus, em Roma, comprovam que os padres jesuítas já realizavam, no local, trabalhos de catequização e ensino da língua portuguesa aos índios antes de 1622.
“Um motivo que a gente tem que pensar é a dimensão da capela. Ela era fabulosa para aquele período, quando os materiais eram muito escassos”, afirma a historiadora Roseli Santaella Stella, 64. “Os jesuítas não iam chegar numa terra onde nada havia e edificar uma igreja daquele porte. Para levantar uma igreja assim, aquela localidade devia ter uma expressão muito grande que justificasse esses esforços”.
Roseli iniciou, na década de 1980, uma pesquisa sobre José de Anchieta,um dos primeiros cronistas a citar a região, para a pós-graduação na USP (Universidade de São Paulo).
“Isso aumentou meu interesse em interpretar os escritos que ele nos deixou e buscar outras informações sobre o bairro naqueles primeiros tempos”, diz.
“São Miguel é fundado no contexto das ações jesuíticas em São Paulo. A questão não é estabelecer o início do bairro a partir da chegada dos primeiros povos indígenas, porque, se tratando de nativos com hábitos nômades, essa missão é impossível. Mas, de duas coisas nós temos certeza: seu início é em 1560 e foi fundado por José de Anchieta”, aponta Roseli.
Essa interpretação já era apontada por alguns historiadores, mas faltavam documentos oficiais para comprovação. A pesquisadora encontrou referências no acervo da Edusp (Editora da Universidade de São Paulo), na Câmara Municipal de São Paulo e também em cartas e arquivos da Companhia de Jesus, no Vaticano, para onde viajou.
SÃO MIGUEL NOS PRIMEIROS TEMPOS
Anchieta chega ao Brasil em 1553, por ordem do padre Manuel da Nóbrega. Em 12 de junho de 1561, envia uma carta ao padre geral Diego Lainez, em Roma, e informa sobre a visita a povoação de índios na aldeia de Ururaí, também a pedido de Nóbrega. Os indígenas que ali se encontravam haviam abandonado a aldeia de Piratininga, em São Paulo, após a chegada de moradores da vila de Santo André de Borda do Campo.
“Tudo o que acontecia no Brasil nos primeiros anos, após a chegada dos jesuítas, a Companhia de Jesus era obrigada a escrever cartas e relatórios, e enviá-los para os superiores. Anchieta não fugiu a essa regra”, comenta Roseli.
O início do bairro, portanto, se dá entre a chegada de Anchieta à Ururaí em 1560 e a carta enviada em 12 de junho de 1561. Como o dia do arcanjo é comemorado em 29 de setembro, a especialista considera essa data como a certidão de nascimento.
Os documentos históricos levantados por Roseli Santaella permitiram que fosse criado um projeto de lei (PL 265/2018), de autoria da vereadora Adriana Ramalho (PSDB), que mudará oficialmente a data de surgimento do bairro para 29 de setembro de 1560. O projeto está em tramitação.
UMA PARTE DA HISTÓRIA NO CENTRO DO BAIRRO
Localizada na praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, a Capela de São Miguel Arcanjo foi tombada pelo Iphan (Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1938. Porém, até 2003, o espaço se encontrava bastante danificado e era cuidado pela Universidade Cruzeiro do Sul, que pagava um funcionário para manter a zeladoria do local.
Nesse mesmo ano, por meio da Lei Rouanet, a administração da Catedral de São Miguel Arcanjo, localizada ao lado da praça, conseguiu que um projeto de restauro fosse aprovado.
Os trabalhos começaram em 2006 e duraram até 2011, quando houve o restauro da capela, criação de um museu, uma prospecção arqueológica, construção de uma área anexa para receber visitantes e a revitalização da praça. Atualmente, a igreja está cercada por uma grade e pode ser visitada por meio de agendamento.
“Infelizmente, a gente não recebe nenhum tipo de verba do governo para manutenção da capela. Quem mantém toda a estrutura e os custos financeiros é a catedral”, conta a produtora cultural Juliana Pessoa, 34, responsável por agendar e realizar as visitas guiadas ao local.
Juliana diz que há uma grande procura por conta de escolas e universidades. “O número de visitantes que a gente tem aqui é maior durante a semana. A gente já recebeu crianças de dois anos, mas geralmente o público maior são alunos do ensino médio”.
As excursões são feitas por escolas da região de São Miguel, além de programas do Senac e do curso de turismo da USP, voltado para idosos.
Para a produtora, outros moradores de São Miguel, no entanto, muitas vezes desconhecem a capela. “Tem muita gente que mora em São Miguel, passa aqui em frente e acha que é uma igrejinha”, comenta.
“A gente está com uma gestão nova e nosso primeiro projeto é fazer uma ‘educação patrimonial’, buscando fazer com que as pessoas ocupem a capela e torná-la mais conhecida.”
Durante a semana, a visitação à capela é realizada das 10h às 16h, por meio de agendamento no telefone (11) 2032-3921, e custa R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia-entrada). Aos sábados, a visita é gratuita e espontânea.