Circula no grupo de WhatsApp do Jardim Fontalis, zona norte de São Paulo, um panfleto intitulado “Fé e Política – Eleições 2022”. O material foi originalmente compartilhado por um usuário do Twitter e tem mais de 3 mil curtidas e 130 retweets até o dia 5 de outubro.
O panfleto não tem autoria e diz que existem 1.659 projetos “que são contra a família, valores cristãos e a pregação do evangelho”, e que parte desses projetos está arquivada e o restante está em tramitação em Brasília.
A reportagem do Papo Reto no Zap confrontou as informações do panfleto com os projetos de Lei (PLs) apresentados. Confira a seguir a verificação:
Família do Século XXI – PL 3369/2015
Tem o objetivo de permitir o casamento entre duas ou mais pessoas, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual (…). Este PL libera o incesto, pedofilia e abuso sexual
– Texto reproduzido do panfleto
Criado em 2015 pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB), o projeto de lei nº 3.369/2015, que tramita na Câmara dos Deputados, trata do reconhecimento de família, e não de casamento.
O artigo 2º da proposta determina que são “reconhecidas como famílias todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça, incluindo seus filhos ou pessoas que assim sejam consideradas”.
Em 2019, deputados de direita afirmaram que a proposta permitiria “legalizar o incesto” por causa do trecho sobre “consanguinidade”. A proibição de casamento entre pais e filhos está no artigo 1.521 do Código Civil. O projeto não modifica essa lei.
Silva explicou, em artigo publicado no site Vermelho, que se referia à adoção ao citar consanguinidade. Não há, tampouco, nenhuma menção à liberação da pedofilia ou abuso sexual no projeto.
Atualmente, o PL aguarda o parecer do relator da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
Banheiros Unissex – PL.0558/2017
Em escolas e repartições públicas, meninos e meninas usarão o mesmo banheiro sob alegação de inclusão social
– Texto reproduzido do panfleto
O PL nº 558/2017, que trata de banheiros unissex, tramitou na Câmara Municipal de São Paulo, e não na Câmara dos Deputados, em Brasília. Além disso, a proposta foi retirada pelo próprio autor, o vereador Ricardo Teixeira (União Brasil).
O texto previa a “instalação de sanitários unissex em todos os estabelecimentos comerciais, estudantis e repartições públicas da cidade de São Paulo”. No entanto, não previa em nenhum momento a exigência de que os estabelecimentos deveriam ter somente banheiros unissex.
O projeto nunca chegou a ser votado. Teixeira, na época filiado ao PROS, retirou a proposta da Câmara Municipal de São Paulo no mesmo ano em que a apresentou.
Liberação da Maconha – PL 514/2017 e PL 7270/2014
Esse projeto libera a produção, industrialização e comercialização em larga escala da maconha, ou seja, descriminaliza o uso, e a venda da droga
– Texto reproduzido do panfleto
O PL nº 7.270/2014, que tramita no Senado, propõe que seja autorizada a produção e o comércio de cannabis, derivados e produtos em todo o território nacional. Estabelece ainda a obrigatoriedade do registro, da padronização, da classificação, da inspeção e da fiscalização dessas atividades.
O projeto prevê também que a cannabis, derivados e produtos de cannabis passam a ser considerados “drogas lícitas”. Ainda estabelece isenção de registro, inspeção e fiscalização para o plantio doméstico de até seis plantas maduras e seis imaturas por indivíduo, limitado a 480 gramas.
Esse PL foi criado pelo então deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e anexado ao PL nº 7.187/2014, proposto pelo deputado Eurico Júnior (PV-RJ). A proposta aguarda a criação de uma comissão especial para que possa ser debatida.
O PL nº 514/2017 dispõe sobre a liberação do semeio, cultivo e colheita de cannabis sativa somente para uso pessoal terapêutico em quantidade não mais do que suficiente ao tratamento, de acordo com prescrição médica.
Crianças poderão mudar de sexo – PL.8035/2010
Autorizará crianças realizarem cirurgia de mudanças de sexo sem consentimento dos pais
-Texto reproduzido do panfleto
O PL nº 8.035/2010 não está relacionado à cirurgia de mudança de sexo, mas ao Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020. Logo, a informação é falsa.
Ideologia de Gênero nas Redes de Ensino – PL 8035/2010
Querem ensinar para as nossas crianças e adolescentes que eles podem mudar de sexo. Para isso irão distribuir materiais com conteúdo de ideologia de gênero sob alegação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
– Texto reproduzido do panfleto
O panfleto menciona, mais uma vez, o PL nº 8.035/2010, que trata do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020. O projeto, que se transformou na Lei nº 13.005, não trata de mudança de sexo nem da distribuição de materiais sobre a chamada ideologia de gênero.
O que houve é que o PL tinha um item que dizia: “Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”. Quando o projeto se transformou em lei, esse parágrafo foi alterado para retirar o trecho sobre orientação sexual e identidade de gênero.
Assédio Religioso – PL.4257/2018
Ficará proibido atitudes de proselitismo religioso que violem a liberdade de crer, do não crer e a privacidade em ambientes públicos e privados, constituindo assédio religioso
-Texto reproduzido do panfleto
O PL nº 4.257/2018 não trata de proselitismo religioso, ou seja, à busca ativa de uma religião por novos fiéis. O projeto proíbe o assédio religioso nas instituições públicas e privadas no Estado do Rio de Janeiro, e explica o que classifica como assédio religioso: “a prática, o induzimento ou a incitação à discriminação ou preconceito”.
O documento também destaca que a lei “não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais, sem incomodar o próximo”.
Liberação do Roubo – PL 4240/2021
Projeto de Lei quer descriminalizar o furto de itens básicos e de pequeno valor
– Texto reproduzido do panfleto
A numeração correta do PL sobre furto é 4.540/2021 e não 4.240/2021. A proposta, criada por deputados do PT e do PSOL, não prevê a liberação do roubo, como aponta o panfleto. O texto propõe que “se é de pequeno valor a coisa furtada e se não for o caso de absolvição, o juiz deverá substituir a pena de reclusão pela pena restritiva de direitos, ou aplicar somente a pena de multa.”
O documento considera que o furto por necessidade ocorre quando a pessoa comete o ato “para saciar sua fome ou a necessidade básica imediata sua ou de sua família”. Já o furto insignificante é caracterizado pela insignificância de “lesão ao patrimônio do ofendido”.
O projeto foi anexado ao PL nº 1.878/2007 e continua em tramitação na Câmara dos Deputados.
Proibição de Programas de Evangelização em Rádio e TV – PL. 4539/2021; PL 4549/2008; PL 2837/2011 ; PL 4021/2012
Todos esses Projetos de Lei proíbem ou dificultam a transmissão da programação religiosa na TV ou Rádio
– Texto reproduzido do panfleto
O primeiro PL apresentado no panfleto está com o ano errado: o correto é nº 4.539/2001, e não 2021. Ele foi anexado ao PL nº 7.075/2002, ainda a ser deliberado na Comissão de Cultura (CCULT) da Câmara dos Deputados.
A finalidade dos projetos é aumentar o espaço para a produção de conteúdo local, destinando percentuais mínimos para programas culturais, artísticos e jornalísticos a serem produzidos e gerados na localidade. Não há menção à proibição de programas de evangelização em rádio e TV. Portanto, a afirmação do panfleto é falsa.
O PL nº 4.021/2012 foi anexado ao PL nº 4.549/2008 e ambos tratam sobre o aluguel do espaço de programação de uma emissora de TV ou de rádio, mas não fazem referência a programas religiosos. Os PLs continuam em tramitação na Câmara.
Já o PL nº 2.837/2011 trata da restituição do imposto de renda para pessoa física, sem nenhuma relação com programação de rádio ou TV.