Durante a campanha, Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, foi dos destinos periféricos mais visitados por candidatos à Prefeitura. “Isso se deve tanto ao seu grande número de habitantes — mais de 100 mil moradores — quanto à visibilidade que a comunidade tem”, avalia Joildo Santos, 39, membro da diretoria da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.
Mas as necessidades da segunda maior favela da capital estão contempladas pelos candidatos? A Agência Mural conversou com lideranças sobre o que esperam do futuro governo: resolver a canalização do Antonico, melhoras na saúde e regularização das moradias e políticas para as mulheres estão entre os focos principais.
CEO do Grupo Cria Brasil e cofundador do G10 Favelas, Joildo é uma das lideranças da região e há anos atua na frente social da comunidade.
Ele destaca as prioridades do bairro, começando pela canalização do córrego Antonico e a indenização das famílias afetadas — uma demanda antiga e urgente que, segundo ele, avança lentamente. Outro ponto importante que ele ressalta é a regularização fundiária.
‘As pessoas precisam de segurança jurídica, de um documento que garanta a permanência delas ali, permitindo que possam usá-lo para financiar empreendimentos, como patrimônio para transmitir às suas famílias’
Joildo, cofundador do G10 Favelas
Renata Alves, 43, cofundadora da Quebrada Produções e do Legado Paraisópolis, destaca que Paraisópolis sempre foi alvo da mídia por conta do forte empreendedorismo dos moradores, mas explica que o bairro vive contrastes.
“Temos comerciantes prosperando, com o comércio em crescimento, enquanto muitos moradores vivem em condições precárias, como em casas sobre córregos, e dependem de um aluguel social de R$ 400″, ressalta.
Renata comenta que a demanda pela canalização do córrego Antonico é antiga, ao menos desde 2006, e que há uma disputa de egos entre as gestões que entram e saem do poder.
“A canalização não tem um andamento contínuo porque, quando uma gestão entra, ela não quer que a próxima fique com os créditos, e assim essa irresponsabilidade com a comunidade vai se arrastando”, afirma.
Além disso, ela acrescenta que as obras só avançaram porque alguém de fora da comunidade, ou com maior poder aquisitivo, pautou o problema, citando o estádio do Morumbis. “Quando você olha as obras em frente ao estádio, estão a todo vapor, e aqui só estão acontecendo porque, para evitar os alagamentos lá, é preciso canalizar todo o córrego.”
Em 2021, Paraisópolis enfrentou uma tragédia quando casas localizadas sobre o córrego Antonico desabaram, vitimando moradores.
Após o acidente, começaram a ser tomadas medidas, como mudanças no aluguel social e a entrega de novas moradias.
“As moradias começaram a ser entregues. Famílias receberam cartas de crédito e tiveram o aluguel social vinculado às moradias que vão ser entregues”, diz Joildo.
Joildo destaca que, para acelerar o processo, a prefeitura passou a comprar unidades já prontas em vez de construir do zero. Ele reconhece que o diálogo com a prefeitura melhorou. “Não é na velocidade que a gente gostaria, mas está acontecendo.”
Gabriel Finamore, 28, presidente da ONG Ação Gueto, relata que pessoas que aguardavam por moradia há muitos anos finalmente estão sendo atendidas. “Pessoas que estavam há 10 anos na fila hoje conseguem assinar seus contratos e escolher onde vão morar, no Raposão, na Vila Sônia, mas essa ainda não é a gestão ideal para periferia.”
Um hospital na região
Uma demanda antiga que mobiliza a comunidade é a construção de um hospital em Paraisópolis. Hoje, quando as pessoas precisam de atendimento, utilizam unidades de regiões vizinhas como o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, o Hospital do Campo ou do M’Boi Mirim.
Gabriel gostaria de ter um hospital na comunidade, acredita que essa demanda não seria atendida devido ao custo de manutenção. Ele destaca a urgência em transformar a AMA de Paraisópolis em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), dada a grande demanda da comunidade.
“Hoje, a AMA de Paraisópolis não atende só os moradores da comunidade, mas também pessoas das regiões ao redor.” Ele ressalta a sobrecarga do hospital mais próximo: “O mais próximo que temos é o Campo Limpo; imagina todo mundo indo para lá, sem um serviço intermediário como seria a UPA.”
O tema chegou a ser discutido durante a campanha. “Vi três candidatos citarem Paraisópolis: Nunes, Marçal e Boulos. O Boulos, inclusive, falou da importância de transformar a AMA em UPA, algo que já é um desejo da comunidade, com abaixo-assinado e tudo.”
“A luta por um hospital é antiga, mas precisamos olhar também para a saúde básica da família”, ressalta Renata. Segundo ela, o hospital é uma prioridade da comunidade, mas que é preciso ampliar as UBS (Unidade Básica de Saúde) e os especialistas presentes.
Atualmente, os atuais serviços disponíveis estão com lotação e se houvesse mais especialistas como pediatras, o serviços seria melhor.
Cultura
O acesso ao lazer também é uma pauta latente, de acordo com Joildo. A discussão sobre a Casa de Cultura é crucial, pois na região não existe um equipamento equivalente, como os que estão disponíveis no Campo Limpo e em Santo Amaro.
“Embora o CEU Paraisópolis exista, o foco principal é atender à população educacional, e suas atividades culturais ficam em segundo plano. Outra característica do equipamento é sua localização na borda de Paraisópolis, assim como outros equipamentos que parecem conter o avanço da comunidade”, afirma Joildo.
Ele ainda acrescenta que a falta de espaços de lazer é um problema em toda cidade de São Paulo, em especial nas periferias. “Não podemos esquecer que a falta desses espaços contribui para tragédias, como a morte de nove jovens no baile funk DZ7, que, em busca de lazer e cultura, acabaram vitimados.”
“Nenhum deles era morador de Paraisópolis; eram jovens de outras regiões de São Paulo que não encontraram opções de diversão e cultura em seus próprios bairros”
Após a tragédia, medidas chegaram a ser anunciadas, mas ainda não resolveram a demanda por mais espaços de lazer.
Gabriel Finamore destaca o impacto econômico significativo que o baile funk gera, com muitas pessoas conseguindo se sustentar, ressaltando a urgência de regulamentar essas atividades.
Para ele, é necessário que as esferas federal, estadual e municipal dialoguem sobre como garantir que o baile continue beneficiando a comunidade.
Contudo, Finamore alerta que a realização de bailes em dias consecutivos pode causar desconforto aos moradores, especialmente crianças autistas, idosos, e pessoas com deficiência. Ele sugere a busca por soluções que considerem a qualidade de vida de todos, seja encontrando locais mais adequados ou ajustando os horários.
Renata completa que faltam políticas públicas voltadas para as mulheres da comunidade, que representam a maioria das chefes de família é uma questão latente.
‘Quase 80% das famílias daqui são chefiadas por mulheres, mas não há um programa específico que realmente as acolha’
Renata Alves, cofundadora da Quebrada Produções
“Falta apoio e estrutura para lidar com as demandas dessas mulheres que, muitas vezes, têm que lidar com a perda de filhos para a violência policial, além das questões do dia a dia”, completa.
Para ela, as eleições deste ano são marcadas pela descrença. A comunidade, segundo ela, precisa de mais do que promessas, e sim de ações concretas que realmente melhorem as condições de vida da população. “Ficamos em um território frequentemente ignorado após o término das campanhas eleitorais.”, finaliza.