Em junho, Jaqueline Gonçalves de Oliveira, 25, quase conseguiu realizar o sonho de disputar a Paralimpíada. Ela participou da seletiva para Tóquio, mas não atingiu o índice necessário para disputar provas do paratletismo.
Por causa das restrições da pandemia de Covid-19, ela ficou sem treinar em um espaço adequado por dois anos. Conseguiu o acesso de um clube para se preparar de forma isolada um mês antes da seletiva.
“Não tínhamos materiais adequados nem estrutura para os treinos. Estava praticando em casa e nos parques públicos, mas mesmo assim consegui me preparar bem. Faltou pouco para conseguir”, afirma.
Apesar disso, o resultado não a desanimou. “Me deu mais incentivo para continuar treinando, pois estou no caminho certo e competir entre as melhores do Brasil”, relata.
Jaqueline é moradora do bairro Vila Moraes, na periferia de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e um exemplo dos desafios de ser paratleta no Brasil. O país tem tido um dos melhores desempenhos na história dos Jogos em 2021, mas competidores ainda vivem desafios como a falta de renda para disputar competições.
O governo federal oferece um auxílio mensal de acordo com a categoria do esportista. O programa Bolsa Atleta é dividido em seis valores. R$ 370 ao atleta de base e estudantil; R$ 925 ao esportista nacional e R$ 1.850 para o internacional; R$ 3.100 ao atleta olímpico/paralímpico e até R$ 15 mil ao atleta pódio.
“Se as pessoas acham que vão ganhar muito dinheiro por meio do esporte, estão enganadas. A não ser os atletas paralímpicos de pódio, mas até lá, tem um caminho longo”, afirma.
Jaqueline pratica o paratletismo há 6 anos em provas como o 100 metros rasos, arremesso de peso e salto em distância. Ela disputa a categoria T37 e F37, em que o atleta possui deficiência na coordenação motora.
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Com os torneios paralisados em decorrência da pandemia, o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) organizou uma série de treinamentos para escolher os representantes do país nos jogos.
A esportista ficou surpresa quando recebeu a convocatória para participar da seletiva, pois a última competição que participou foi em 2019, no Campeonato Brasileiro de Paratletismo. Na ocasião, ficou em primeiro lugar no salto em distância e em segundo no arremesso de peso.
Atualmente, Jaqueline dedica-se exclusivamente ao paratletismo, que é dividido em classes esportivas de acordo com a deficiência do praticante e inclui provas de salto em distância e altura, lançamento de dardo, arremesso de peso, corrida e lançamento de disco ou clube.
A meta agora é participar do Mundial de Atletismo Paralímpico de 2022 para buscar o índice para a Paraolimpíada de Paris em 2024.
FALTA DE VISIBILIDADE
Outro paratleta de Mogi das Cruzes que sonha em representar o Brasil nas competições mundiais é Felippe Silva dos Santos, 23. Ele é jogador de futebol de 7 PC (paralisia cerebral) e agente de propaganda em uma empresa.
Como o próprio nome sugere, o futebol de 7 é jogado por 7 jogadores de cada time. As regras são semelhantes com o futebol convencional, porém os arremessos laterais podem ser cobrados com apenas uma das mãos e não existe impedimento.
Felippe começou a jogar futebol em 2013 em Suzano. Desde então passou por diversos grupos da região e atualmente joga para o clube SMEL ADMC. Pela equipe, conquistou quatro vezes o Campeonato Paulista e quatro vezes o Campeonato Brasileiro.
Por conta da pandemia, o trabalho formal de Felippe está paralisado, mas antes das restrições, o paratleta tinha que dividir a rotina de treino com o serviço.
“Meu sonho é me manter através do esporte, mas ainda não tenho condições. O esporte mudou minha vida. Jamais vou desistir.”
Para Felippe, a falta de visibilidade dos jogos paralímpicos é um fator que dificulta o atleta a construir uma carreira sólida no esporte. “O paratleta é subestimado. Muitos ainda nos veem como ‘coitadinhos’, por isso que as pessoas não se interessam tanto nos jogos Paralímpicos”, conta Felippe.
A situação não mudou depois dos Jogos no Brasil, segundo atletas. Uma pesquisa do Datasenado feita em parceria com o gabinete do senador Romário (PODE/RJ) realizada em 2017, mostrou que 59% dos entrevistados acreditam que a cobertura de esportes pelos meios de comunicação permaneceu igual ao que era antes da Rio 2016.
Foram ouvidos 607 paratletas e ex-paratletas de todo país no levantamento. Ainda segundo a pesquisa, 57% dos paratletas entrevistados têm uma renda individual de até 2,5 salários mínimos. Ainda segundo os dados, 66% tiveram dificuldade em conseguir algum tipo de auxílio financeiro.
TRADIÇÃO NA BOCHA
Maciel Santos, 35, de Mogi das Cruzes, participou dos jogos de Tóquio e ganhou a medalha de bronze na modalidade bocha na noite de 31 de agosto.
Ele venceu o tailandês Worawut Saengampa por 4 x 3 na categoria BC2 (paralisia cerebral)
Além desse título, Maciel foi eleito cinco vezes o melhor atleta de bocha paralímpica e coleciona dezenas de títulos. Entre eles, foi campeão na Paraolimpíada de Londres em 2012, bicampeão Pan Americano, tricampeão da América, venceu o Campeonato Brasileiro de Bocha por 16 vezes consecutivo.
A modalidade bocha consiste em o jogador lançar as bolas coloridas o mais próximo possível da bola branca, conhecida como jack ou bolim. Durante o jogo, os atletas ficam sentados em cadeiras de roda respeitando a demarcação para fazer os arremessos, que podem ser feitos com a mão, pés ou instrumentos de apoio.
Maciel é um dos paratletas mais experientes da modalidade – é a terceira Paralimpíada dele.
O esportista também teve que se adaptar a rotina de treinamento por conta da pandemia, porém diferente de Jaqueline e Felippe, o campeão paralímpico contou com mais recursos.
“Na primeira semana de isolamento, treinei em casa com meu preparador físico. Depois, comecei a praticar na clínica da minha fisioterapeuta de forma isolada, e depois meu amigo emprestou a quadra dele”, conta.
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Maciel se mantém por meio do esporte há bastante tempo e afirma que apesar dos obstáculos, é possível construir uma carreira no esporte.
“Hoje recebo incentivo da prefeitura, do governo federal e de patrocínios. Posso me dedicar 100% ao esporte. Por isso digo para os atletas de base não desistirem”, afirma.
Além de Maciel, Guilherme Germano de Moraes, também de Mogi, estará representando o Brasil na modalidade bocha, categoria BC1 (paralisia cerebral que pode jogar com as mãos ou com os pés).
Do distrito de Palmeiras, periferia de Suzano, Evelyn Oliveira, 33, também estará na Paraolimpíada de Tóquio e compete na categoria BC3 (paralisia cerebral com maior grau de comprometimento motor).