Quem visita o bairro Jardim Novo Santo Amaro, na zona sul da capital paulista, encontra um espaço para “brincar de cuidar”. É assim que o artista circense e produtor cultural Wandré Gouveia, 33, define o Parque de Québra, um projeto seu, de sua família e de sua comunidade, que transforma vielas e becos em áreas de lazer, com brinquedos e atividades culturais.
Por lá, a Viela Matriz, antes apenas um lugar de passagem, que acumulava água das chuvas, foi transformada por Wandré e pela comunidade em um parque para crianças, com brinquedos e um picadeiro de circo. O projeto é um desdobramento do Circo de Québra, iniciativa que leva oficinas de artes e espetáculos circenses para vielas e escadões das periferias de São Paulo, desde 2016.
“A ideia [da montagem] do Parque de Québra era não destruir ou quebrar nada para montar os brinquedos. Pelo contrário, na nossa pesquisa, aproveitamos a arquitetura já disposta na viela, entendendo como aproveitar muros, degraus e toda estrutura que o local já proporciona aos passantes”, explica Wandré, um dos responsáveis pela iniciativa.
Inaugurado em agosto de 2021, o parque conta com brinquedos para as crianças, como escorregador, trepa-trepa e parede de escalada, feitos de madeira, cordas e canos PVC. Eles são integrados a uma arquitetura incomum para um parque, unidos a muros, paredões e degraus do Jardim Novo Santo Amaro. O espaço conta ainda com uma horta comunitária vertical, uma amarelinha e um picadeiro para espetáculos de circo.
O Parque de Québra é resultado do trabalho de muitas pessoas que projetaram e construíram o espaço, lembra Wandré. Entre eles estão o arquiteto Andrey Marcondes, responsável pelo projeto dos brinquedos, a arquiteta Ana Clara Santana e o designer Jonas Silva, além dos moradores do bairro, sobretudo as crianças. Elas foram as primeiras “arquitetas” do espaço, desenhando como imaginariam um parque ideal.
“A gente reuniu todo esse processo criativo para ver o que conseguiríamos aproveitar. A partir disso, começamos a desenvolver os brinquedos com base nessas ideias da população e outras referências que a gente já tinha”, ressalta.
O pai de mil e uma utilidades
Para montar os brinquedos e deixá-los à disposição do público, alguns desafios tiveram que ser superados. O primeiro deles: conseguir recurso financeiro. A verba veio através de um edital do VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais).
Com dinheiro para executar o projeto, era hora de cuidar do saneamento da área, fechando canos expostos e garantindo que a água das chuvas e das casas não escorreria viela abaixo. A solução veio após um pedido da equipe de arquitetura à subprefeitura local, que refez a canalização.
O terceiro e mais crucial desafio era encontrar um profissional para confeccionar os brinquedos. Mas a solução estava dentro de casa: o cenotécnico Valdir Ananais, 65, pai de Wandré, não apenas contribuiu na criação de todos os brinquedos, como fez os projetos da maioria dos cenários do Circo de Québra, iniciativa cultural pioneira da família.
“É muito legal a gente ver que deu certo e está sendo bem aproveitado, sem nenhum problema ou acidente. [A viela] se tornou um lugar em que as mães deixam seus filhos e filhas com tranquilidade”, conta Valdir.
Valdir Ananais, cenotécnico
O apoio do pai na retaguarda foi crucial para que Wandré, filho caçula, tivesse coragem de deixar de lado o trabalho como técnico de Tecnologia da Informação para se tornar um palhaço profissional. “Eu tenho experiência com várias coisas e juntamos o útil ao agradável”, diz Wandré.
Já Valdir confessa se sentir feliz e realizado com o projeto, pois todos os dias que passa na viela presencia a concretização do sonho de garantir segurança e diversão para as crianças do bairro.
“Uma coisa muito interessante foi que o Valdir recebeu o projeto dos brinquedos e fez muitas melhorias. Quem conhecer o Parque de Québra vai ver que a qualidade dos brinquedos é incrível”, acrescenta Wandré.
A sensação de “missão cumprida” é reforçada com o parecer da responsável técnica do projeto, a arquiteta Ana Santana, 31. “O projeto estimula e propõe usos lúdicos de locais que são passagem ou que já são espaços de brincadeiras de crianças. Fortalecer estas ações com coletivos e agentes que já atuam e transformam seu ambiente é reforçar e ampliar redes e promover a cultura pela cidade”, diz.