“No ônibus da linha 6726-10 Terminal Grajaú – Jd Gaivotas tem um senhor conhecido por encostar o pênis no ombro e no braço sem cerimônia. Ônibus vazio, mas ele chega, bota a mochila no chão e pá. Até se empina. Quando toma um chega pra lá, pede desculpas com aquela cara de coitadinho de que fez sem querer. Faz mais ou menos dois anos que ele fez isso comigo.”
O desabafo é Suzana Clea da Silva, 39, moradora do Grajaú, no extremo sul da capital, que reclama da falta de segurança com relação ao assédio sexual. Ela, no entanto, não está sozinha: 62% de usuários de ônibus na cidade criticam a questão, como mostra a mais recente edição da Pesquisa de Mobilidade Urbana da Rede Nossa São Paulo e do Cidade dos Sonhos, realizada em parceria com o Ibope.
Esse número é ainda maior nas regiões mais distantes do centro expandido, como é o caso da zona sul 2, onde mora Suzana. Por lá, 68% dos passageiros de ônibus tecem críticas à insegurança sobre os abusos no coletivo.
Já na zona norte 2, se concentra a segunda maior taxa (56%). Isso parece mostrar que, além da questão de gênero (54% dos homens concordam com a insegurança), há um componente de vulnerabilidade social que permeia a questão. As taxas também são maiores conforme as faixas menores de renda e escolaridade. Confira no infográfico abaixo:
Numa escala de 1 a 10, na qual 1 equivale a péssimo e 10 a ótimo, a segurança com relação ao assédio sexual nos ônibus municipais recebeu nota 2,6 – o pior resultado entre 14 aspectos relacionados a esse meio de transporte.
AOS 10 ANOS
Usuária de ônibus pelo menos quatro vezes por semana, Suzana afirma ter perdido as contas de quantos casos já presenciou, e relembra outro, sofrido por ela ainda na infância.
“Eu tinha 10 anos quando tomei uma encoxada no ônibus lotado indo para a educação física. O mais nojento disso tudo é que eu não entendia o que estava acontecendo, queria apenas me afastar daquele homem que me espetava. Eu não estava com medo, estava incomodada”, diz a professora de ioga.
Na fase adulta, não hesitou em contar ao marido o abuso sofrido mais recente. “Quando criança não contei pra ninguém, porque não tinha entendido. Mas quando adulta contei para o meu esposo porque cheguei muito revoltada”, completa Suzana, que é casada e mãe de dois, de quatro e 20 anos.
Também foi na infância, quando passou a usar o transporte público sozinha, que Gabriela Costa, hoje aos 23 anos, percebeu a insegurança.
“Lembro de uma vez em que estava voltando da escola com uma amiga, nós tínhamos uns treze anos, e o cobrador, que era velho, nos abordou dentro do Terminal Capelinha e pediu o telefone da minha amiga”, relembra Gabriela, que mora no Vale das Virtudes, no Campo Limpo.
“Isso me marcou muito, sabe? Eu fiquei até meio traumatizada na época. Então, sim, concordo com essa nota que os usuários atribuíram e ainda acho que ela está melhor que a realidade, porque é isso mesmo, não nos sentimos seguras e essas histórias vivem se repetindo”, afirma a atendente comercial, enquanto esperava o ônibus no Terminal Capelinha em direção ao seu bairro.
CAMPANHA
Mensagens de encorajamento passaram a figurar o interior de ônibus da SPTrans, da EMTU, de trens e Metrô. Os cartazes foram feitos por meio da campanha “Juntos Podemos Parar o Abuso Sexual do Transporte” em parceria de 16 entidades, incluindo, a Prefeitura e empresas de transporte público. Ironicamente, o lançamento da campanha ocorreu no mesmo dia em que um homem assediou sexualmente uma mulher em um ônibus na Avenida Paulista, no fim de agosto.
O 32xSP perguntou à Secretaria Municipal de Transportes se a campanha será recorrente ou pontual, se a central de atendimento costuma receber reclamações de mulheres assediadas e quais os números registrados nos últimos meses, e também qual deve ser a conduta dos motoristas, caso a passageira reclame que está sendo abusada. No entanto, não obtivemos retorno até o fechamento desta matéria.
Escrito com: Caroline Pasternack e Priscila Pacheco
Arte: Magno Borges
Foto de destaque: Humberto Muller