Um castelo com uma torre, esculturas e pinturas feitas à mão é um dos principais patrimônios históricos de Ferraz de Vasconcelos, na região leste da Grande São Paulo. No entanto, o abandono é a principal característica da Vivenda Zenker, duas décadas após o tombamento do imóvel.
A vivenda foi considerada patrimônio histórico em 2000 pela Lei 2.377, que autorizou a prefeitura a tomar medidas para a preservação do bem.
Apesar disso, o edifício quase não foi restaurado em duas décadas. Entre a rua e a entrada do castelo não há proteção, só é preciso desviar dos matos para entrar. Dentro, paredes com as pinturas rachadas ou pichadas, entulho no chão, teto com buracos, vidros quebrados e, na sala principal, um sofá abandonado.
A situação só não é pior pela atuação dos próprios moradores do bairro caso de Moacir de Oliveira, 74, que vive na região há 50 anos, e varre a calçada do local, além de pegar o entulho que é jogado no local.
Ele lembra que alguns moradores pegavam até a água do poço no terreno do castelo, na época em que foi morar na região. “Nós íamos e pegávamos a água para beber porque não tinha água da Sabesp, não tinha luz, não tinha água, não tinha nada”.
Ele diz que o bairro hoje é um sossego, o que vê no castelo são crianças entrando e brincando lá dentro, fazendo barulho. Ele lembra que em volta do castelo havia uma grande plantação de uva Itália, de abacate e de banana, que beneficiava a população do bairro. Situação bem diferente da atual.
Falta de reparos
Para quem se aventura depois de dois lances de escada em meio aos cacos de vidro, é possível ter uma vista panorâmica da cidade. O potencial turístico do espaço não foi explorado, mesmo com anúncio de investimentos feitos nos últimos anos.
Ferraz de Vasconcelos recebeu em 2007 mais de R$ 500 mil para reformar parte do castelo e implantar um restaurante escola, segundo dados do Portal de Transparência.
A prefeitura divulgou que a reforma custaria mais de R$ 1 milhão, e ficaria pronta depois de seis meses. Porém, só o teto foi reformado para impedir infiltração e parte das paredes foram encobertas com reboco.
Em sua área total, metade do espaço foi alterado. Atrás do castelo, na saída para a Estrada Miguel Dib Jorge, parte do terreno foi loteado para a construção de casas. No lado esquerdo do casarão, ficava o jardim com as fontes e esculturas de pedra, que foram demolidas para a construção de uma UBS (Unidade Básica de Saúde) em 2011.
O abandono do casarão, construído a mando da família Zenker no início do século passado, tem apagado a história do espaço e da própria cidade.
Origem alemã
A família de sobrenome Zenker veio da Áustria em 1919 a bordo do navegador Frísia da companhia holandesa KHL, como consta na documentação de desembarque do Porto de Santos.
Desembarcaram Arthur Zenker junto da esposa Elisabeth e do filho Arthur Richard. Eles passaram a morar no distrito de Itaquera, na Vila 15 de Novembro, próximo à antiga estação Parada 15 de Novembro, na zona leste de São Paulo (hoje perto do Lajeado).
Segundo o pesquisador José Maximiliano Neto, grande parte dos imigrantes de língua germânica se instauraram no Sudeste do Brasil por causa das oportunidades de trabalho na produção de café, e o pequeno crescimento da indústria local.
Arthur Zenker fazia parte do Diário Alemão, jornal que visava informar a colônia alemã na cidade de São Paulo.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial contra a ascensão de Adolf Hitler, as políticas de restrição contra a população de língua germânica cresceram no país. Se algum membro da família precisasse mudar de emprego ou residência, deveria comunicar a Delegacia de Fiscalização de Entrada e Saída de Estrangeiros, órgão responsável por controlar a situação dos imigrantes dentro do Brasil.
Historiador e morador de Ferraz, Laércio Dart conta que, na década de 1940, a cidade já tinha uma população alemã que trabalhava na fábrica de lixas Tatu. O dono Gothard Kaesemodel Júnior trouxe diversos trabalhadores da sede em Joinville para Ferraz, que até então só era conhecida como a região onde primeiro se cultivou a Uva Itália no Brasil.
“Através da estação ferroviária, da empresa de lixas e da imobiliária Romanópolis que loteou os terrenos, Ferraz começou a crescer”
Laércio Dart, historiador de Ferraz de Vasconcelos
Com o solo fértil e uma população de língua germânica, a família Zenker que estava em Itaquera se mudou para Ferraz de Vasconcelos, construindo o casarão com estilo alemão em 1948, segundo dados da Prefeitura.
Anos depois, em 1985, o então morador de Poá, Ricardo Moraes, se mudou para a rua de baixo do castelinho (como é conhecido pela comunidade), ele conta que o povoado era cheio de ruas de terra que cercavam o casarão.
Entre os moradores existia um rumor de que o castelo era macabro. “A gente tinha muito receio de chegar perto, por conta desse tipo de situação, as mães até falavam; não vai até o castelo, não entra lá”, diz Ricardo Moraes.
As razões para esse medo não são precisas, mas podem ter relação com intolerância religiosa. Ricardo diz que por um tempo o local funcionou como uma casa de candomblé, e que conheceu o espaço durante uma celebração de Cosme e Damião. Vizinho da casa, Moacir diz que ali não havia atos religiosos, mas que as pessoas utilizavam o imóvel de atalho para chegar até uma outra residência.
“Nunca vi nada aqui não (no castelinho) eles pegavam a água de sal jogavam e iam embora. Tudo era aberto então eles passavam por aqui para ir à casa dos fundos.”
O CAMINHO DO CASTELO:
1948 – Família Zenker constrói a Vivenda Zenker. O imóvel foi vendido posteriormente para Antônio Dantas Filho.
1996 – Transterra Empreendimentos Administrações LTDA adquiriu o castelo
2000 – Local é tombado e considerado patrimônio histórico
2003 – Prefeitura assume posse do Castelo
Futuro do espaço
Ricardo diz que o castelinho deveria ser um lugar de preservação da cultura municipal e que poderia fomentar histórias pouco conhecidas sobre Ferraz, vista muitas vezes apenas como uma extensão da periferia de São Paulo.
Em fevereiro de 2021, a gestão atual divulgou que iria receber R$ 1,5 milhão para a restauração do espaço, dizendo que o local poderia receber visitantes e eventos culturais, porém até agora o recebimento do valor não foi confirmado.
No final do ano passado, a prefeitura divulgou um novo valor de R$ 500 mil direcionado pelo deputado estadual Rodrigo Gambale, eleito deputado federal este ano, mas o castelo sequer foi fechado para reforma.
Moacir diz que a atual prefeita, Priscila Gambale, esteve na região durante a campanha eleitoral e prometeu melhoras. “Não quero algo chique, mas sim limpeza. O lugar poderia ser uma biblioteca com um pátio para visitas”, avalia Moacir.
A Agência Mural entrou em contato com a Secretária de Cultura de Ferraz, mas até a publicação deste texto não houve retorno.
O castelo segue abandonado.