Em uma reunião de pauta semanal aqui na Agência Mural, no finalzinho de março, meu amigo e diretor de tecnologia e negócios, Anderson Meneses, me sugeriu escrever sobre o festival de fotos Photothings, na qual sou um dos jurados. Logo pensei: “ah, tranquilo, é um assunto que eu domino, por estar inserido e já ter sido contemplado em 2021”.
Coitado de mim, erro crasso. Se eu tivesse escrito este mesmo texto naquela fatídica semana, seria um arroz com feijão de palavras.
Entregaria algo totalmente jornalístico, com dados que são importantes para uma reportagem, como: que o Photothings nasceu em 2015, em São Paulo, com feiras de venda de fotografia para intermediar o acesso entre a produção autoral independente e o público interessado em adquirir trabalhos fotográficos; que depois ficou parada durante cinco anos; e que voltou desde 2021 – edição na qual conheci o evento e publiquei o meu primeiro livro: A Gambiologia da Sevirologia.
Poderia mencionar os números de inscritos nas outras edições, detalhar a biografia das e dos jurados, os ganhadores ou outras informações importantes, mas, ao contrário disso, darei espaço ao site do festival, onde está tudo muito bem explicadinho.
Decidi então escrever este texto opinativo, nesta semana (a última para inscrições de fotógrafos independentes), ouvindo a ótima playlist para se concentrar no trabalho da minha querida editora Tamiris Gomes, disponível no Spotify da Mural.
Agora posso levar vocês para onde quero refletir: por que seres humanos pretos, pobres e favelados não têm acesso a sua história e ancestralidade em livros?
Quem pode imprimir suas histórias com tinta, papel e capa em abundância, e quem não tem os códigos tão acessíveis assim para concretizar isso?
Também no fim de março, fui convidado por um artista periférico para fazer registros das obras dele que estavam expostas na 19ª edição da SP-Arte, considerado o maior encontro de arte e design do Brasil e da América Latina. O evento abrigou mais de 5 mil obras, de 2 mil artistas, de oito países e 20 cidades brasileiras, acumulando mais de 150 expositores nos três andares do Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera.
Aí você me pergunta: o que você quer dizer sobre o tal Festival Photothings em relação a SP-Arte?
Por que as obras de artes produzidas pelas pessoas brancas, geralmente com sobrenomes importantes, seguem sendo expostas na SP-Arte sem grandes dificuldades e vendidas a valores que superam os R$ 12 milhões?
Enquanto isso, festivais como o Photothings precisam lutar muito para se manter em pé, ano após ano. Em 2023, o festival vai premiar individualmente cinco artistas com poucos exemplares de um fotolivro impresso e bilíngue. Serão selecionados, ainda, mais 10 artistas para expor duas fotos no Metrô de São Paulo.
Vale ressaltar que são exaltadas as obras pelo valor das imagens fotográficas, contudo, busca-se estimular o cenário fotográfico nacional, premiando profissionais que trabalham de forma independente, sem vínculos com agenciamento comercial ou galerias.
Na 1ª edição da coleção Photothings que reuniu 10 obras, umas delas alcançou as prateleiras da maior biblioteca de arte e fotografia deste país, o Instituto Moreira Salles, por meio do Festival ZUM de Fotolivros 2021, com a obra “Somos todos alvos aqui”, de Rogério Vieira.
Em 2022, sem investimento de nenhum edital de arte, ainda sim, Marly Porto, idealizadora da mostra, e um time de apoiadores e trabalhadores, se agregaram para lançar os vencedores no Espaço Unibes, na rua Oscar Freire, na zona oeste de São Paulo.
Além do lançamento e da programação, o evento teve a presença dos contemplados Fábio Setti (Brasília), Daniela Pinheiro (Brasília) e Luiz Baltar (Rio de Janeiro), atuais integrantes da coleção Photothings.
O Photothings ajuda nesse contexto, mas ainda não é o suficiente para garantir a representatividade.