Um smartphone novo, um olhar incomum pelo bairro que nasceu e um desejo: “quebrar o estigma de que fotografias bonitas e bem feitas só poderiam acontecer em locais e pontos turísticos da cidade”, diz o tatuador Diego Neres, 29, criador do @sussunaslentes, perfil em rede social que divulga as belezas de Sussuarana, em Salvador.
“A iniciativa foi bem natural e sem nenhum propósito sociocultural. Eu adquiri um smartphone novo e passei a fazer alguns registros da rua onde moro e de alguns outros locais onde passo aqui no bairro. Publicava sempre em minhas redes sociais”, conta Neres.
A partir da iniciativa, amigos e familiares incentivaram o jovem a criar uma página no Instagram como forma de melhorar a divulgação das fotografias. E assim, seus amigos, o social media Marcio Junior, 26, e o técnico em segurança eletrônica Rodrigo Ribeiro, 29, contribuíram com ideias, sugestões e registros para a página.
“Quando percebi, já estávamos escolhendo um nome e recebendo várias fotos de pessoas que queriam ver suas ruas representadas lá”, diz Neres. O perfil criado há cerca de um ano e seis meses tem 3.248 seguidores, 158 publicações e já recebeu mais de 200 registros fotográficos realizados por outros moradores e enviados por direct ou e-mail. Dessas imagens, algumas são selecionadas e postadas também no perfil.
Neres é criterioso com as fotos direcionadas ao feed. Para publicação é considerado um bom enquadramento, representatividade visual e, contanto que a fotografia seja do bairro, qualquer pessoa pode enviar. As contribuições são voluntárias; é exigido que o material seja enviado por e-mail (soblentessussuarana@gmail.com) ou links de envio para manter a qualidade.
“São mínimas as fotos de contribuição que postamos no feed. A grande maioria publicamos nos stories, sem muito critério e sempre dando os créditos, mencionando a pessoa que enviou e o local registrado. Isso surte um efeito legal porque a galera começa a registrar e mandar mais e mais fotos”, conta o criador da página.
Para Neres, o perfil reflete um outro olhar estético sobre a região. “A beleza não está só em pontos turísticos e cartões postais da cidade. A gente consegue sim encontrar beleza na simplicidade e na organização da favela. Além de ser um contradiscurso, porque o discurso natural é de que o bairro periférico é feio e desorganizado”.
Hoje, Luan Dias, 20, fiscal de prevenção, também administra e faz fotografias para a página. “Ajudar e contribuir com esse projeto, que mesmo sem intenções, foi super aceito pela galera, ver o entusiasmo e as reações das pessoas é motivador demais. Nós tiramos fotos simples, mas acabam tendo um valor grande para quem as vê. Isso foi me animando a tirar mais fotos do nosso bairro também”, conta o colaborador da página.
Trabalhando com a tatuagem, habilidade que requer conhecimentos sobre desenho e pintura, a fotografia é mais uma das formas que Neres se conecta com a arte. O objetivo dele é seguir ampliando essa conexão artística e o próximo passo é transformar as fotografias da página em prints e emoldurar. Além disso, ele pretende apoiar a criação de páginas de outros bairros com a mesma proposta.
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Através da tatuagem, Neres deseja também homenagear e eternizar o bairro em sua pele. “Passei por várias experiências positivas, momentos bons e produtivos. Sempre gostei de viver aqui, apesar da ideia estereotipada de ser um bairro violento, o que não condiz com a realidade de quem vive aqui. Sempre pude andar tranquilo por todas as ruas e lugares”.
O pôr do sol de Sussuarana, um jardim mantido e cuidado pelos moradores, um grafite num muro, crianças jogando bola, o amontoado de casas, locais comuns e conhecidos como igrejas, campos, ruas principais e registros da noite com as ruas vazias são exemplos de cenas e cenários que ganham destaque no perfil.
Neres conta que as fotografias, por vezes, surpreendem os moradores, que acabam refletindo sobre não conhecerem ou o fato de nunca terem reparado a beleza de determinadas regiões. “Isso é aqui mesmo?”, “Tô precisando andar um pouco mais pelo meu bairro!”, são alguns dos comentários que as fotos recebem. “Isso só mostra o quanto o bairro é gigante e bonito!”, afirma Neres com orgulho.
“Eu moro aí”, “meu país”, “sua mãe ali”, “melhor rua”, “minha área”, “oh, rua querida”, são outros comentários comuns da página. Para o criador, as interações mostram palavras de quem vive em Sussuarana e se reconhece nos registros, ou de quem viveu no bairro e só pode diminuir a saudade do lugar que cresceu através dessas imagens.