Em 1º de fevereiro de 1885, a inauguração da estação da linha férrea de Pirituba marcou o surgimento do bairro da zona noroeste de São Paulo, que completa nesta segunda-feira 136 anos.
A região era cobiçado por grandes fábricas que escolhiam Pirituba como sede, justamente por sua proximidade com a estação, que fazia parte da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, permitindo o transporte diretamente ao Porto de Santos.
A antiga Estrada de Ferro Santos-Jundiaí foi inclusive cenário tema do videoclipe “O Trem”, do grupo de rap RZO. Exibido em programas da MTV nos anos 2000, a produção projetou nacionalmente o bairro ao mostrar a realidade dos passageiros da atual CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), superlotada há décadas.
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Apesar de ser possível avistar, de dentro e fora do trem, uma Pirituba marcada por um crescimento imobiliário desenfreado, ela ainda mantém prédios e construções do século passado que ajudam a contar sua história.
Para celebrar o aniversário do distrito que atualmente abriga pouco mais de 160 mil moradores, separamos 8 dessas construções como: a Estação Pirituba, o Casarão Anastácio, o Castelinho de Pirituba, o Mercado de Pirituba, entre outras. Confira a lista completa abaixo.
Estação Pirituba
De quando: 1885
O que é hoje em dia: Estação da linha 7-Rubi da CPTM
Endereço: Av. Paula Ferreira, s/n
Inaugurada em 1885 pela São Paulo Railway, a estação de Pirituba foi o núcleo para o crescimento do bairro. No início, tinha apenas duas coberturas para os passageiros, que não se alongavam por toda a parada. Durante a década de 1960, sofreu reformas, quando foi construída uma nova plataforma e a passarela que faz a ligação de todas elas. Em 1970, a construção original foi demolida.
As transformações dos primeiros 80 anos foram responsáveis pela estrutura atual, que carece de acessibilidade. Em reportagem, a Agência Mural constatou que, para sair da estação pela passarela ao lado da Avenida Paula Ferreira, o usuário tem que vencer 74 degraus.
Mesmo assim, segundo a assessoria de imprensa da Companhia, em 2021 não é prevista nenhuma reforma estrutural para a estação, mas apenas manutenção contínua de conservação.
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Apesar de o início do bairro datar de 1855, muito antes a região já servia de local para fazendas da elite colonial. Uma delas pertenceu a Domitila de Castro e Mello, a marquesa de Santos, e chamou atenção após a construção do Casarão do Anastácio, de pé até os dias de hoje.
Casarão Anastácio
De quando: 1920
O que é hoje: Prédio abandonado, mas tombado, em terreno vendido à construtora
Endereço: Marginal Tietê x Rua Inácio Luis da Costa
Quem usa a Marginal Tietê para ter acesso à Rodovia Anhanguera vê um casarão abandonado, repleto de pichações e com paredes escurecidas, cercado por um terreno de 180 mil metros quadrados.
Ele foi construído em 1920 após a demolição da casa de taipa de pilão frequentada pela Marquesa de Santos. A história do terreno passa por nomes conhecidos pelos moradores, já que batizam parques, ruas e vilas de Pirituba.
O primeiro dono do terreno foi coronel Anastácio de Freitas Trancoso, em 1823. Daí o nome do Casarão e da Avenida do seu entorno. Cerca de 33 anos depois, em 1856, foi vendido ao brigadeiro Tobias de Aguiar e à sua esposa Domitila de Castro e Mello, que batiza o Parque Maria Domitila. Apesar do casamento com o brigadeiro, a mulher também foi amante do imperador Dom Pedro I, e por isso adquiriu o título de marquesa de Santos.
Após a morte do marido, a marquesa manteve a fazenda em Pirituba até seus últimos dias. Depois, foi vendido pelos herdeiros à Companhia Armour do Brasil, que demoliu a construção da fazenda e ergueu o casarão para abrigar os funcionários de seu frigorífico.
Atualmente, o Casarão do Anastácio sofre de má conservação, mas foi tombado em 2013 pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio (Conpresp). O arquiteto e urbanista Lucas Sena, morador de Pirituba, explica que o tombamento é uma proteção de um imóvel quando tem um valor histórico para o bairro ou para a cidade.
Mesmo com a impossibilidade de demolir ou mudar as características do Casarão, a EZTEC, construtora e atual proprietária do terreno, já anuncia ali um empreendimento residencial de 2 a 4 dormitórios.
No entanto, a assessoria de imprensa não quis responder à reportagem mais detalhes do que será feito no terreno.
Castelinho de Pirituba
De quando: 1934
O que é hoje: Salão de festas de prédio residencial
Endereço: Rua Maestro Arturo de Angelis, 190
Também tombado, desta vez pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), o Castelinho de Pirituba é mais uma construção que se destaca visualmente no bairro, já que sua arquitetura inglesa destoa das casas do entorno.
Também chamado de “Castelinho dos Ingleses”, leva esse apelido por conta dos primeiros moradores de seu terreno: trabalhadores que vieram da Inglaterra trabalhar na estação de trem, que fica a 800 metros do local. A companhia São Paulo Railway (SPR), que administrava a ferrovia, tem a mesma origem.
A construção da casa foi feita em 1934 com materiais importados da Escócia, e seu primeiro morador foi Charles Thomas Chapman, contador da SPR. A residência é chamada de “castelo” pelo seu tamanho: com 900 metros quadrados, tem 21 cômodos.
De acordo com as memórias do aposentado José Carlos Silva, durante a sua infância, os moradores ingleses jogavam golfe ao lado da estação de trem. “Todo mundo tinha o sonho de jogar naquele campo gramado”, relembra.
Em 1996, o terreno foi comprado pela Construtora Cozman, que não pôde demolir a construção devido ao processo de tombamento. Por isso, o Castelinho de Pirituba se incorporou ao empreendimento planejado no local e, em 2010, foi lançado o condomínio Torres do Castelo, que usa a casa como salão de festas. Por se tratar de propriedade privada, as visitas são proibidas.
Lucas Sena explica que um patrimônio tombado não o torna, necessariamente, de uso público: “Este processo é simplesmente a oficialização do reconhecimento histórico de um bem”.
Sanatório Pinel
De quando: Fundado em 1929
O que é hoje em dia: Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental Phillippe Pinel
Endereço: Av. Raimundo Pereira de Magalhães, 5214
Pirituba hoje é integrada à cidade pelas linhas de ônibus e trens de passageiros. Porém, no início do século passado, quando o transporte era feito por carroças nas estradas de terra, o bairro foi considerado um local de isolamento. Essa foi a premissa para que, em 1929, o médico Antonio Carlos Pacheco e Silva escolhesse a região para fundar o Sanatório Phillippe Pinel no terreno da Fazenda Anastácio. O nome era de um médico francês considerado o pai da psiquiatria.
A ideia era ser um hospital para internar pessoas com problemas psiquiátricos. No entanto, de acordo com o pesquisador Antonio Ackel, o Sanatório serviu como um local para “esconder” pessoas que causavam vergonha às famílias paulistas da época.
Em sua dissertação de mestrado, Antonio analisou cartas escritas por internos do Pinel nunca enviadas aos destinatários. A conclusão foi de que lá eram também internadas pessoas homossexuais e mulheres cujos maridos queriam ter vidas mais livres, por exemplo.
“De fato, existia a questão da vergonha e viam ali como uma prisão. Eram pessoas que estavam aprisionadas, porque os familiares queriam escondê-las, de certa forma. Ali eles não tinham nem comunicação, até porque essas cartas não foram entregues. Só tive acesso a elas por isso”, conclui o pesquisador, que encontrou os documentos no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Em 1944, o Pinel foi vendido para o governo estadual e hoje se chama Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental Phillippe Pinel. O terreno e seus edifícios foram tombados pelo Condephaat em 2018 e pelo Conpresp em 2019.
Casa de Nassau
De quando: Construção em 1929, fundação em 1957
O que é hoje: Terreno cedido para construção do SESC Pirituba
Endereço: Av. Raimundo Pereira de Magalhães, 4.123
O território de Pirituba foi dominado pelas fazendas de famílias portuguesas e, posteriormente, pelos trilhos dos ingleses. Apesar de não tão expressivos, os imigrantes holandeses também estabeleceram vínculo com o bairro.
No início do século XX, estrangeiros que se radicaram em São Paulo organizavam-se em agremiações. É o caso do Palestra Itália, Clube Suíço e Clube Sírio. Sentindo falta de um local para seus encontros, os holandeses inauguraram a Casa de Nassau, em Pirituba.
O imóvel foi construído por um casal de ingleses, em 1929, e adquirido pela Sociedade Holandesa em 1957. O nome é uma homenagem a Maurício de Nassau, conquistador de mesma origem que governou a colônia no Nordeste do Brasil.
A Casa de Nassau chama atenção dos moradores que passam pela avenida Raimundo Pereira de Magalhães, antiga Estrada Velha de Campinas e uma das principais do bairro, por ter um moinho de vento em sua entrada.
Ao longo dos anos, a construção foi dando lugar a eventos privados e, em julho de 2020, foi comprada pelo SESC (Serviço Social do Comércio) para instalar uma unidade ali.
Segundo nota enviada pelo SESC, ainda está sendo feita a zeladoria do local, bem como estudos para elaboração do projeto de unidade. A preservação das características do imóvel é premissa do projeto, até devido ao seu tombamento feito em 2016 pelo Conpresp.
“A Casa será requalificada, preservada em suas características arquitetônicas e históricas, inclusive resgatando aspectos descaracterizados com o passar do tempo”, garante a instituição.
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Capela São Luis Gonzaga
De quando: 1945
O que é hoje: Paróquia São Luis Gonzaga, 01
Endereço: Praça Dom Pedro Fulco Morvidi
A Vila Pereira Barreto era parte da Fazenda de mesmo nome, que foi planificada em 1922 para venda de lotes. Sentindo necessidade de um local para exercer a religião católica, moradores construíram a Capela São Luis Gonzaga, na época bem pequena, que foi destruída por fortes chuvas em 1927. No ano seguinte uma capela maior, com 20 metros quadrados, foi erguida no local.
“Conheci minha primeira namorada nesta Igreja, quando ainda era de madeira. Ela tocava sanfona nas quermesses”, relembra o aposentado José Carlos.
Ainda assim, o século XX foi chave para o aumento da população local, e a necessidade de uma nova Igreja, ainda maior, crescia. Em 1959 uma nova reforma foi feita, dessa vez construindo também uma casa paroquial, criando a estrutura que se vê hoje no alto da Vila Pereira Barreto.
Cine São Luis
De quando: Década de 40
O que é hoje: Prédio desocupado
Endereço: Avenida Cristo Rei, 289
Ao lado da Igreja ficava o cinema que levava o mesmo nome. Segundo o arquiteto e urbanista Lucas Sena, as vigas da fachada conferem à construção o estilo art déco, movimento que precedeu o modernismo.
Hoje em dia, há poucas memórias da época do Cine São Luis. “Meus pais e minhas tias iam lá quando eram pequenos, mas nem eles têm muitas lembranças”, conta Lucas.
Atualmente, o imóvel é lembrado por ter dado lugar à Paradise, casa noturna inaugurada em 1991. Era lá que aconteciam festas e shows que juntavam até 2000 jovens em três ambientes e um terraço. Os Racionais MC’s, grupo de rap expoente da década de 1990, chegaram a se apresentar no espaço.
A ocupação mais recente do imóvel foi a do Buffet Athenas, que de 2006 até 2017 sediava casamentos e festas particulares, além dos bailes de domingo com músicas das décadas de 70, 80 e 90. Atualmente, não há nenhuma indicação de uso em sua fachada.
Mercado de Pirituba
De quando: 1972
O que é hoje: Mercado Municipal de Pirituba
Endereço: Rua Almirante Isaías de Noronha, 163 – Vila Pereira Barreto
Visto de longe, o Mercado Municipal de Pirituba lembra uma flor aberta em meio às casas da Vila Pereira Barreto. Sua construção ousada destoa dos outros mercados administrados pela prefeitura pois foi feita no estilo modernista pelo arquiteto Abelardo de Souza, também criador do Edifício Nações Unidas da avenida Paulista.
“A importância está em todo o sistema construtivo, com abas em concreto armado e o núcleo central. O edifício, inclusive, foi calculado pelo engenheiro Figueiredo Ferraz, também responsável pelas vigas do MASP”, ressalta o arquiteto Lucas Sena sobre a construção inaugurada em 1972.
O prédio ocupa cerca de um terço do terreno, que tem 10 mil metros quadrados, mas a parte externa não tem um uso determinado, o que a torna erma e com aparência abandonada. Segundo o Departamento de Abastecimento e Agricultura da Prefeitura de São Paulo, são 15 permissionários que têm comércios no mercado, empregando cerca de 80 pessoas.
O estado de conservação é questionado pelos moradores, que alegam ser feitas apenas reformas superficiais. Em nota, a Prefeitura diz que há previsão de adaptações e melhorias para o local em 2021, mas não detalha quais, além de afirmar que dependem de aprovação de recursos.
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